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Eleição de candidatos negros aumentou, mas muito pouco, avalia sociólogo

27/11/2020 14h21

O cientista político e professor de sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Luiz Augusto Campos, que há anos se debruça sobre pesquisas na área de eleição e raça, considera que os resultados do primeiro turno nas eleições municipais no Brasil foram um passo ainda tímido na luta para quebrar a diferença racial entre representantes e representados na política do país.

"A gente teve avanços, mas muito pequenos. Se pegarmos a eleição de homens pretos e pardos, o avanço foi quase irrisório, de poucos pontos percentuais, de um a quatro pontos, dependendo do lugar. Em relação às mulheres negras, que foi o que mais avançou, houve um crescimento de mais ou menos 23% na eleição para vereadoras. É um avanço substantivo, mas estamos falando de um patamar muito baixo, ou seja, de pouquíssimas mulheres negras eleitas. Temos hoje mais ou menos 0,01% das vereadoras do Brasil negras. Nas capitais, os avanços foram um pouco mais incisivos. Então, eu acho que há motivos para comemorar, mas essas razões ainda são muito tímidas. E a gente espera ou esperava que os avanços nessas eleições talvez fossem um pouco maiores."

Campos, que coordena na UERJ o grupo Gema de pesquisa multidisciplinar em ações afirmativas, avalia que a presença de um governo de extrema direita ajudou no fortalecimento de movimentos negros, numa tentativa de fazer frente a ações governamentais, como o desmonte de órgãos e políticas públicas.

"Se a gente voltar a dez anos, o debate público brasileiro sobre raça também era intenso, mas era bastante fechado para a militância negra. Hoje em dia a situação é relativamente diferente. Eu acho que a ascensão de uma extrema direita, que fechou o Estado à presença e participação da militância negra, de certo modo, precipitou a migração dessa militância para ações mais relacionadas ao debate público e aos partidos políticos".

Essa militância contribuiu para o atual ambiente com uma maior consciência da população em geral, não apenas negra, sobre racismo, ainda que haja um longo e desafiador caminho nesse quesito, visto os anos de negação do racismo na sociedade brasileira. Porém, esses dois ingredientes positivos, movimentos atuantes e maior debate e consciência na sociedade, não conseguiram alavancar resultados mais auspiciosos no pleito de 2020, ainda que a justiça tenha determinado que os partidos aplicassem nas candidaturas de pretos e pardos recursos proporcionais ao número de candidatos.

Se houvesse 20% de candidatos negros em um partido em determinada cidade, por exemplo, esse mesmo percentual teria de ser distribuído pelo diretório regional, não necessariamente de forma igualitária, para postulantes pretos.

Dois caminhos

"Eu acho que tem dois caminhos aí. Um dos caminhos é mais jurídico, mais legal, institucional, tem a ver com a criação de cotas raciais nas listas partidárias. A decisão do TSE e do STF tratou apenas da distribuição de recursos, levando em conta a proporção de pretos e pardos nas listas partidárias. Embora seja uma decisão importante, a decisão não impede que os partidos simplesmente não lancem candidatos negros e pardos. Nesse sentido, a gente tem que pensar sim em uma cota partidária que obrigue cada partido a lançar um mínimo de candidatos negros. Nessas eleições, ainda que quisessem, eleitores não poderiam escolher um candidato negro em 38% das prefeituras brasileiras. E um segundo passo tem a ver com a diversificação das executivas partidárias. Os partidos no Brasil têm muito poder, ao contrário do que muitas vezes se pensa. E as executivas partidárias têm muita autonomia para decidir ou definir essas listas partidárias, como os recursos vão ser investidos etc. Legalmente as executivas partidárias têm que ter uma certa diversidade de gênero hoje. A gente tem que caminhar para uma decisão similar em termos raciais. Enquanto isso não acontecer, o partido vai ter uma margem muito grande de manobra com essas regras e resoluções, sejam elas legais, sejam elas judiciais."

A imprensa chegou a veicular uma suspeita de que candidaturas negras repassaram doações a outros candidatos em um mesmo partido, o que poderia configurar a tentativa de driblar as determinações da justiça, semelhante às denúncias em outras eleições de candidaturas femininas laranjas.

Apartheid institucional hierárquico

Luiz Augusto Campos também comentou o brutal assassinato de João Alberto Silveira Freitas, cidadão negro espancado por seguranças brancos em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, e acredita que a participação de afrodescendentes na política pode ajudar a combater a violência cotidiana contra pretos e pardos.

"Eu acho que [a participação de afrodescendentes na política] tende a fazer uma diferença muito grande, porque no Brasil temos uma espécie de sistema de apartheid institucional hierárquico. Quando olhamos para a massa de beneficiários das políticas estatais, tanto as políticas de proteção social, como saúde e educação, quanto as políticas repressoras, os alvos fundamentais, para o bem e para o mal, são pessoas pretas e pardas. Mas quando olhamos para o topo do Estado brasileiro, para quem formula essas políticas, nós vemos basicamente homens brancos, tanto na política formal, quanto nos concursos públicos de gestores, como por exemplo no oficialato das forças repressoras, onde há majoritariamente brancos. Pessoas que formulam políticas públicas não são as mesmas que são afetadas por essas políticas. Embora o caso do Carrefour tenha envolvido uma empresa privada, a gente está falando de uma espécie de discurso muito entranhado na sociedade brasileira, que é um discurso muito repressivo e que encontrou sua expressão máxima no grupo que atualmente está no poder federal, na Presidência da República. Relativizar esse discurso, e mesmo compreender melhor como esse discurso se torna ações do Estado, isso passa pela quebra dessa hierarquia racial que existe no Estado brasileiro."