Macron pressiona direita com referendo para incluir defesa do clima na Constituição
A realização de um referendo para incluir a defesa do clima e a preservação da biodiversidade na Constituição francesa deixa parlamentares de direita na defensiva e ambientalistas divididos. A proposta foi feita nesta segunda-feira (14) pelo presidente Emmanuel Macron perante a Convenção Cidadã para o Clima, após quatro horas de discussões.
A medida era uma promessa do presidente aos 150 cidadãos que participaram deste mecanismo inédito de democracia participativa, mas é apontada como oportunista por visar a campanha eleitoral de 2022. O uso do referendo para "incluir as noções de biodiversidade, meio ambiente, luta contra o aquecimento climático" no artigo 1 da Constituição francesa recebeu o apoio de 82% dos participantes da Convenção. Eles entregaram recentemente ao presidente francês uma lista com 149 propostas para reduzir as emissões de gases poluentes até 2030. O governo rejeitou três proposições e é acusado de tentar diluir outras ideias.
Ao anunciar o referendo, Macron estabeleceu uma condição: que a Assembleia Nacional, de maioria governista, e o Senado, dominado pelo partido conservador Os Republicanos, aprovem a reforma constitucional "em termos idênticos" ao projeto apresentado pelo Executivo. Macron conta com essa prerrogativa, já que a Constituição Francesa de 1958, que fundou a V República, estabelece que os referendos ocorrem por iniciativa presidencial, após proposta do governo ou do Parlamento.
Ouvido pela RFI, o professor de Direito Público Benjamin Morel, da Universidade Sorbonne Panthéon Assas, lembra que o Senado assinalou em julho que não era favorável a uma consulta popular sobre esse tema. "Se partirmos do princípio de que haverá um reforço das obrigações ambientais, as novas regras precisam estar em equilíbrio com os direitos e liberdades de empreender, comercializar etc., de acordo com os princípios defendidos pela direita parlamentar", explica o cientista político.
Manobra política?
"Para o Senado, instituir uma ponderação constitucional em que as liberdades ficarão sujeitas aos direitos ambientais é problemático", avalia. O especialista ainda observa que a ala conservadora do Senado pode alegar que o presidente faz isso por oportunismo político. Morel recorda que esse referendo seria provavelmente realizado no segundo semestre de 2021, entre outubro e dezembro, quando os partidos estarão lançando suas campanhas para a eleição presidencial de maio de 2022.
"Podemos ver a armadilha lançada por Emmanuel Macron contra nós", dizem políticos do partido Os Republicanos. O número dois da sigla, Guillaume Peltier, vê no projeto de referendo um "cinismo vazio". A líder da extrema direita, Marine Le Pen, denunciou "mais uma manobra política de Emmanuel Macron".
O senador Guillaume Gontard, líder da bancada ambientalista no Senado, também condenou a iniciativa do presidente centrista. "Em nosso país, temos um pouco essa tendência de propor um referendo quando não queremos adotar certas medidas", afirmou. Se for concretizada, esta consulta seria a primeira a se realizar na França desde 2005, quando foi feito um plebiscito sobre a Constituição Europeia, que terminou com a vitória do "não".
Já o eurodeputado europeu Pascal Canfin, ex-presidente da ONG Greenpeace France, comemorou que "os franceses se pronunciarão por referendo" para incluir a preservação do meio ambiente na Constituição.
A realização da consulta popular não é sem risco para Macron. Segundo o cientista político Benjamin Morel, se os franceses aprovarem a reforma constitucional o presidente sairá fortalecido para a reeleição de 2022, mas se perder ficará sem o apoio da direita, importante aliada no atual governo. A direita, por sua vez, não vai querer se alinhar automaticamente a Macron nessa experiência, muito menos dividir com ele um eventual fracasso.
O especialista em Direito Público lembra que desde 2014 a França integrou uma Cartilha do Meio Ambiente à sua Constituição. Na avaliação de Morel, dependendo da forma como as disposições da Convenção Cidadã para o Clima forem transcritas na reforma constitucional, elas poderão no futuro gerar jurisprudências contraditórias. Se bem delineadas, por outro lado, poderão levar o Conselho Constitucional a adotar posições mais favoráveis ao meio ambiente.
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