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Brasileiros se apressam pra entrar no Reino Unido: 'Pior momento'

Passageiro no Aeroporto de Gatwick, no Reino Unido - Toby Melville/Reuters
Passageiro no Aeroporto de Gatwick, no Reino Unido Imagem: Toby Melville/Reuters

23/12/2020 14h35

Quatro anos após a decisão dos britânicos de deixarem a União Europeia, o Brexit entrará completamente em vigor a partir de 31 de dezembro. Em meio à crise econômica, e nos últimos dias antes do divórcio com o bloco europeu, brasileiros com cidadania europeia (ou não) correm para entrar no Reino Unido antes das badaladas do Big Ben, marcando o fim da livre circulação entre a ilha e o continente.

A corrida contra o tempo é para dar entrada no pedido de residência britânica enquanto ainda são válidas as regras de migração para os europeus e seus familiares. Na negociação de transição, o Reino Unido abriu em 2018 um programa facilitado para que os cidadãos da União Europeia recebam o direito de residência.

"Todas essas pessoas que eram isentas de visto por causa da regra europeia vão precisar de um visto britânico. Para fazer isso, criou-se uma categoria gratuita, com quase nenhum requisito. É uma modalidade tecnológica, a pessoa não precisa ir a lugar nenhum desde que tenha documento com chip", explica Ricardo Zagotto, consultor de imigração da Associação Brasileira no Reino Unido.

Sem custos e com poucas exigências, o modelo atrai quem tem nos planos trabalhar na ilha britânica. No entanto, para isso, é preciso ter cruzado a fronteira e passado ao menos um dia no Reino Unido até 31 de dezembro. "Por isso uma corrida de europeus ou de brasileiros com a cidadania para entrar agora e se considerar elegível [para o programa, aberto até o final de junho]", conclui Zagotto.

Desde 2018, mais de 4 milhões de europeus deram entrada do pedido de residência. Até setembro, segundo os últimos dados publicados pelo órgão de migração, a maioria foi feita por pessoas com passaportes da Polônia (773.840), da Romênia (670.600), da Itália (401.800), de Portugal (306.350) e da Espanha (246.600).

Uma das razões para isso é econômica, os cinco países têm renda média bem abaixo da média europeia.

Em Portugal, a renda média anual em 2019 foi de 10 mil euros frente a 17 mil euros de média nos 27 países da União Europeia, segundo dados do instituto europeu de estatística Eurostat. No Reino Unido, a renda média era de 22 mil euros em 2018, último ano coletado.

Crise esquenta busca por trabalho

É em busca de melhores oportunidades de trabalho que Amanda Lima, 42, decidiu deixar Lisboa e se mudar no início de dezembro para Southampton, a sudoeste de Londres. Ela trabalhava como vendedora na capital portuguesa, mas diz que a pandemia afetou gravemente o país.

"Está muito complicado mesmo porque é um país que vive de turismo. Está horrível, principalmente para quem trabalha com hotel, bares e restaurantes. Para mim, que amo Lisboa, é triste ver uma cidade tão turística do jeito que está", comenta.

Em seu último dia de quarentena quando falou com a reportagem, ela planejava buscar trabalho ainda antes do Natal para poder se estabilizar no novo endereço.

A dificuldade para conseguir emprego também foi o motor da mudança de Michel Ribeiro, 29, que deixou a cidade de São Paulo em novembro e se mudou para Londres aproveitando sua cidadania portuguesa.

"Sou formado em administração de empresas, já trabalhei na área, já fui funcionário público. O ano passado eu passei em um concurso em que eu achei que fosse ser chamado, mas não fui por causa da pandemia. Já trabalhei em hotéis também, mas este eu não estava fazendo nada. Foi um ano morto para mim. Quando a minha cidadania saiu em agosto, eu vi que daria tempo de vir e dar entrada no pedido de residência", conta.

O paulistano conta que a decisão foi tomada em pouco tempo devido à pressa para chegar ao Reino Unido antes de 31 de dezembro. "Não tinha jeito, era o pior momento para vir, ter de viajar no meio de uma pandemia, mas não tinha o que fazer, tinha que ser agora por causa do prazo. Eu vim muito em cima da hora, em um dia eu decidi, no outro já estava vendo as coisas de passagem. Foi tudo muito corrido, vim completamente sem dinheiro."

Ao chegar em Londres, Michel começou a trabalhar com entrega de comida, um dos mercados que cresceu em 2020 por conta da pandemia.

"Aluguei uma bicicleta elétrica, aluguei uma conta de ubereats, deliveroo e já comecei a trabalhar. Mas a semana passada, a bike quebrou a roda, eu fiquei quatro dias sem trabalhar. Foi bem complicado porque esse tipo de trabalho se você não trabalha, você não ganha", lembra.

É também na entrega que pretende começar a trabalhar assim que sair de sua quarentena obrigatória Lucas Ferreira, 24. Ele chegou a Liverpool no dia 19, vindo de Roma. Apesar de ter cidadania italiana, o capixaba diz que ao longo de quatro meses de busca de emprego na capital italiana não conseguiu trabalho fixo.

Além de não falar italiano, Lucas diz ainda que a concorrência na Itália com outros imigrantes é muito grande, e os salários são baixos. Sua aposta é de que o mercado britânico tenha mais possibilidades de trabalho.

"Comecei a procurar trabalho na Inglaterra e uma agente de trabalho já me falou que tinha uma vaga. No começo, estou pensando em trabalhar em depósito, galpão ou com delivery de bicicleta", lista.

Fronteiras fechadas

As incertezas para quem pretendia cruzar as fronteiras antes de 31 de dezembro vão além do mercado de trabalho agora. O aumento no número de mortes por Covid-19 e a descoberta de uma nova linhagem do coronavírus no Reino Unido nos últimos dias do ano levaram diversos países a fecharem suas fronteiras com a ilha britânica nesta semana.

Foi isso que fez a assistente social Tathiane Matos, 34, mudar novamente seus planos e cancelar a viagem de Lisboa para Londres.

"Eu iria agora no dia 24 e voltaria para resolver algumas coisas em Lisboa. A ideia era mudar para Londres em março. Só que entretanto eu estou com medo de não conseguir voltar porque estão começando a fechar a fronteira".

Trabalhando em um contrato que será encerrado ao final de dezembro, ela está decidida a deixar Portugal, país em que vive há sete anos. "É muito difícil viver, ficou muito caro viver aqui de uns tempos para cá. O salário é muito baixo, você não consegue oportunidade de trabalho", considera. "Vamos ver o que vai acontecer, se eles vão prorrogar o prazo para cidadãos europeus darem entrada no visto."