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Em conversa com empresários, Bernardinho diz que seleção francesa de voleibol tem talento, mas falta consistência

09/05/2021 13h34

Poucos o conhecem pelo nome completo, Bernardo Rocha de Rezende. Para a maioria, ele é o Bernardinho, um dos maiores campeões da história do voleibol, com mais de trinta títulos importantes na carreira. Após ter comandado as seleções brasileiras feminina e masculina, o treinador se prepara para assumir a equipe masculina da França, após as Olimpíadas de Tóquio.

Numa conversa com empresários franceses organizada pela Câmara de Comércio da França no Brasil, na noite da terça-feira (4), Bernardinho falou sobre os atributos necessários para a liderança e o sucesso, nas quadras e fora dela. A RFI acompanhou a palestra online intitulada "A Cultura da Excelência".

"Quando eu cheguei à seleção masculina de vôlei, com a experiência do time feminino, eu comecei a encarar a seleção como uma empresa, literalmente, a estabelecer uma cultura. Quais são os valores que nos alinham, por que somos um time? No que acreditávamos?", lembra. "O primeiro valor da nossa cultura é a integridade, para que eu estabelecesse um ambiente de confiança entre as pessoas, a integridade", cita. "A disciplina é saber dizer não para aquilo que não é relevante e importante e dizer sim para o que realmente importa. E resiliência é saber lidar com os nãos que a vida traz".

Ao longo da carreira, Bernardinho conheceu mais pódios do que nãos. Entre as conquistas acumuladas pelo técnico com a seleção masculina do Brasil estão dois ouros olímpicos (2004 e 2016), duas pratas (2008 e 2012) e três títulos mundiais (2002, 2006 e 2010), além de oito Ligas Mundiais.

Antes, com a seleção feminina, ele havia conquistado dois bronzes olímpicos: nos Jogos de Atlanta, em 1996, e de Sydney, em 2000.

O nome do brasileiro foi anunciado para substituir o técnico francês Laurent Tillie no comando da equipe dos bleus, para chegar ao ouro olímpico nos Jogos de Paris 2024. Aos 61 anos, Bernardinho foi descrito como o "maior treinador da história do vôlei" pelo diário francês esportivo L'Équipe, assim que a escolha se tornou pública, em 12 abril. A "lenda do vôlei", destacou o site FranceInfo, que considerou a contratação como "um golpe de mestre" dos franceses.

"A França tem muita técnica, tem muita qualidade e muito talento. Falta um pouco de consistência.  E consistência tem a ver com repetição", ensina Bernardinho. "Nada substitui a capacitação. O único elemento que nós controlamos é o ponto de empenho e dedicação que colocamos num processo de trabalho. Eu não controlo quantos talentos eu tenho. 'Papai do Céu' deu para cada um de nós um 'kit pessoal', cada um tem um pouco mais de talento para coisas diferentes, mas o quanto de energia e dedicação eu coloco num processo de trabalho, eu controlo", orienta.

Ainda que o projeto de treinar os franceses exija sacrifícios pessoais, Bernardinho conta que a vontade de sair da zona de conforto falou mais alto. O atual técnico do Sesc-Flamengo, do Rio de Janeiro, continuará o processo de montagem do elenco carioca para a próxima temporada da Superliga.

De acordo com a imprensa esportiva, a estreia à frente da seleção francesa deverá acontecer em setembro, no Campeonato Europeu.

Adaptação à nova cultura

Bernardinho será o primeiro estrangeiro a treinar a equipe de vôlei da França, desde o russo Vladimir Kondra, em 1995. Ele sabe que pode trazer experiência ao time, mas também que terá de se adaptar à nova cultura. "É um grande exercício. Eu diria que a capacidade do líder é se adaptar sem jamais perverter valores essenciais. Respeito não faltará, trabalho não faltará. Mas é preciso se adequar àquilo que é a cultura local", afirma.

"Adaptabilidade. Os mercados não são diferentes? Uma empresa francesa vem para o Brasil com um 'mindset' francês? Não, vai ter que se adequar a um mercado que é um pouco diferente. Até produtos, eventualmente, têm que ser adequados às condições locais. Assim como nós temos que nos ajustar. É uma via de duas mãos. Essa é uma das coisas que me fazem pensar seriamente em ir porque é um grande desafio e um grande aprendizado", afirma.

"O bacana tem sido entender e tentar definir um pouco do código cultural francês. Eu trabalho numa indústria onde você é medido por vitórias e derrotas. No voleibol não tem nem empate, ou ganha ou perde. Esse é o resultado final. Mas, na realidade, o que fazemos é desenvolver pessoas. Quanto melhores, mais capacitadas fisicamente, tecnicamente e emocionalmente, mais condições de entregar resultados", diz.

O treinador deixou a seleção brasileira de vôlei logo após a conquista do ouro nas Olimpíadas do Rio 2016. Agora, ele diz estar pronto para aceitar uma nova missão para o próximo ciclo olímpico. "Desde o domínio do idioma, eu tenho uma boa noção, eu entendo bastante. Falo com um pouco mais de dificuldade porque eu não pratico tanto, mas eu tenho aulas. Eu vejo que os jovens em Paris falam quase um dialeto. Então, a professora diz: 'se você conseguir chegar falando um desses termos para aqueles jovens jogadores, eles vão ver que você é um cara bacana, é um deles'", diverte-se.

"Se eu realmente for e estiver lá, a primeira entrevista que eu der como treinador da seleção francesa será em francês. Eu sou treinador da seleção francesa. Eu vou cometer erros, mas eu falo em francês. É uma prova de que eu estou me adequando e mergulhando na cultura francesa. Eles têm de entender que eu sou brasileiro e, por mais que eu me adeque e me molde, não serei cem por cento francês", observa.

"Eu me lembro quando o Zico foi para o Japão, como jogador e depois treinador. Ele tinha que ter um intérprete permanentemente. Imagine você ter que ter um intérprete permanentemente para se comunicar com sua equipe, não é uma comunicação fluida", compara.

"O impacto é enorme. Mas o grande segredo é esse. Como eu adequo aquilo que eu acredito à cultura francesa. Se eles estão me convidando, eles querem algum tipo de mudança", acredita.

Paixão + necessidade = chance de sucesso

Bernardinho ainda relembrou a sua primeira experiência na Europa, em 1989, como treinador de um modesto time italiano. "Eu era economista de formação e trabalhava num banco de investimentos e para o desespero da minha mãe, eu larguei tudo e fui para Itália dirigir um time pequeno, com salário baixo. A minha mãe, mais emocional, passional e superprotetora perguntou: 'vai largar a carreira de economista em banco para se aventurar na Itália em time de voleibol?' Já o meu pai, mais pragmático, perguntou: 'É isso que você ama fazer? Vai e faz bem feito'", relembra.

Motivação vem de dentro

Após décadas dedicadas ao esporte, o treinador conta algumas das lições que aprendeu. "Quando jovem, você se ilude com muitas coisas, inclusive imaginando que você tem superpoderes. Eu imaginava, como jovem líder, que eu fosse capaz de motivar a todos. Até que eu vi que isso não era possível. Pois a motivação é algo que vem de dentro. Eu posso dar o oxigênio para uma chama que existe em alguém.  Mas se não houver a chama, não tem como acender aquela chama", explica.

"Outra coisa que a gente fala é sobre o time. Uma coisa tão importante numa sociedade com tantas questões de egos, 'likes' e individualidade. A questão do time, da consciência coletiva", ensina o treinador. 

Por fim, Bernardinho destaca o papel do comandante. "Líderes escolhem pessoas. Muitas vezes não são as melhores, mas são as certas, alinhadas com os nossos valores e que têm um propósito muito claro. Pessoas juntas com o mesmo propósito constroem times vencedores", aposta.

"Há duas maneiras de formar um time: alinhamento de valores ou um inimigo em comum. Na Segunda Guerra Mundial, os aliados se uniram aos soviéticos. Não eram exatamente amigos, mas se uniram para derrotar os nazistas. Um inimigo comum formou um time. Mas isso não é consistente. Já o alinhamento de propósitos forma times consistentes" completa.

O último conselho do treinador vai para quem ainda alimenta dúvidas. "Eu digo que na nossa vida, de um modo geral, há duas dores: a dor da disciplina, aquela que você acorda mais cedo, ou vai dormir mais tarde por um objetivo, ou a dor do arrependimento, você não foge dela. É a dor do processo. Temos que escolher, mas existe o livre arbítrio", finaliza.