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Conflito israelo-palestino: "Desde 1948 não houve um momento de paz nessa região", diz historiadora

14/05/2021 17h42

A escalada de violência entre israelenses e palestinos já provocou, em menos de uma semana, a morte de mais de 100 pessoas. Além dos ataques na Faixa de Gaza, essa nova onda de tensões é marcada, pela primeira vez em décadas, por confrontos em cidades onde, até então, israelenses e palestinos coabitavam em paz. Para a historiadora Arlene Clemesha, o contexto atual poderia levar a uma guerra civil.

O novo conflito explodiu depois do lançamento, a partir de Gaza, de uma série de foguetes contra Israel, em resposta aos mais de 700 palestinos feridos em confrontos na semana anterior com a polícia israelense na Esplanada das Mesquitas em Jerusalém Oriental, um setor palestino ocupado por Israel desde 1967. Os distúrbios na esplanada, terceiro lugar sagrado do Islã, foram o culminar de fortes tensões e confrontos em Jerusalém Oriental, principalmente devido à ameaça de expulsão de famílias palestinas de um bairro da Cidade Sagrada em favor de colonos judeus.

A ofensiva israelense visando a Faixa de Gaza, enclave densamente povoado onde vivem 2 milhões de pessoas, suscitou uma resposta palestina - mesmo se muitos dos disparos foram bloqueados pelo dispositivo antimíssil batizado de Domo de Ferro. No entanto, conflitos também foram registrados em cidades mistas, onde tradicionalmente as duas comunidades coabitam.

Foi o caso, na quinta-feira (13), quando um homem abriu fogo contra um grupo de judeus, ferindo uma pessoa na cidade israelense de Lod, palco de outros incidentes violentos. Dias atrás, um árabe-israelense foi morto a tiros durante um confronto entre nacionalistas judeus e jovens árabes nesta localidade do centro de Israel.

"Isso começou dentro de Israel e na Cisjordânia, com grupos, muitos deles com aspectos fascistas, por exemplo grupos de colonos, extremistas. O que, por sua vez, leva grupos de palestinos a revidarem em relação a israelenses. Ou seja, um embate entre civis nas ruas", relata a professora de História Árabe da Universidade de São Paulo, Arlene Clemesha. "Esse é o ponto que merece atenção e que vai indicar o rumo desse conflito, pois isso acaba transbordando para a juventude e uma população em protesto, levando ao que pode significar o início de um processo que, se continuar nesse curso, levaria a uma guerra civil", alerta a especialista.

Limpeza étnica

A situação preocupa, principalmente diante das últimas declarações do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Após uma reunião no quartel-general das Forças Armadas em Tel Aviv, o chefe do governo advertiu nesta sexta-feira (14) que a ofensiva de Israel contra o movimento Hamas na Faixa de Gaza está longe do fim. "Atacaram nossa capital, lançaram foguetes contra nossas cidades. Estão pagando e vão continuar pagando caro. Ainda não acabou", afirmou o premiê.

Diante das ameaças, o Conselho de Segurança das Nações Unidas se reúne no domingo (16) para discutir a crise na região. Mas de acordo com a professora da USP, não se pode esperar muito desse tipo de encontro.

"Desde 1948 a retórica da ONU é a favor de uma justiça para os palestinos. Da criação de um Estado e do fim da ocupação israelense. As resoluções das Nações Unidas são sempre nesse sentido. Mas elas não surtem efeito, porque não são acompanhadas de qualquer medida que seja voltada para a implementação dessas resoluções", avalia a historiadora. "A lei internacional é clara. Se fosse seguida, uma solução seria possível. O problema aqui é vontade política. Vontade de fazer aplicar a lei internacional", afirma.

Clemesha também chama a atenção para o papel dos Estados Unidos, que mantém uma postura de aliado inflexível de Israel, algo que não mudou com a chegada de Joe Biden no poder. "Na essência, o apoio continua o mesmo", resume a professora da USP. "A declaração do governo americano de que Israel tem o direito de se defender, mas que deve diminuir o grau de violência utilizado, é o que os Estados Unidos sempre fizeram. Há décadas esse é o posicionamento do país, que significa um apoio incondicional às políticas e as ações do governo israelense, que são extremamente mortíferas", avalia.

Para a professora, o que acontece nesse momento na Faixa de Gaza "é um processo de limpeza étnica. Estamos falando de um processo de expulsão de pessoas de suas casas e também de mortes e de assassinatos que acontecem na Cisjordânia", insiste, lembrando que "não houve, desde 1948 até hoje, um momento de paz nessa região".

"Há momentos de escalada muito grande que acabam sendo considerados notícia. Mas o que acontece é um processo contínuo que está levando a uma gradual, paulatina e constante expulsão de palestinos de suas casas. Isso acontece à luz do dia. É disso que se trata o problema todo entre Israel e Palestina", conclui Arlene Clemesha.