Mais de mil pessoas foram espionadas com o Pegasus pelo governo Modi na Índia
O governo indiano teria amplamente utilizado o software israelense Pegasus para espionar ilegalmente centenas de jornalistas, ativistas e acadêmicos. Um sinal do controle cada vez mais autoritário do governo de Narendra Modi.
Sébastien Farcis, correspondente da RFI em Nova Délhi
Ativistas de direitos humanos, jornalistas, advogados, professores universitários, empresários ou políticos da oposição: os telefones de mais de 1.000 pessoas de todos os setores da sociedade civil indiana teriam sido infiltrados pelo software israelense Pegasus, e as vidas e conversas de seus usuários espionadas de uma maneira invasiva que seria potencialmente ilegal.
A investigação realizada por 17 jornais de todo o mundo, incluindo o The Wire na Índia, graças a informações fornecidas pela organização francesa Forbidden Stories e pela Anistia Internacional, revela que o líder da oposição indiana, Rahul Gandhi, foi alvo deste ataque, bem como Ashok Lavasa, um dos três membros da comissão eleitoral, durante a última eleição legislativa nacional de 2019.
Lavasa foi o único a julgar que o primeiro-ministro Narendra Modi havia violado o código de conduta eleitoral e deveria ser punido por isso. Seu telefone foi adicionado a esta lista de espionagem logo após essa decisão.
O malware modular Pegasus é desenvolvido pela empresa israelense NSO e vendido, de acordo com ela, "apenas para Estados", para "combater o terrorismo" - um objetivo que teria sido desviado para outras causas na Índia. O dispositivo pode ser instalado discretamente em um telefone por meio de uma simples chamada perdida, ou de uma brecha em um dos aplicativos instalados.
A partir daí, Pegasus pode ler todo o conteúdo do smartphone, ouvir conversas e até usar sua câmera. O governo indiano afirma que nenhuma espionagem ilegal foi realizada, mas nunca negou a compra do software Pegasus.
Diante do Parlamento indiano, o ministro Federal de Novas Tecnologias disse nesta segunda-feira (19) que "não há evidências de que o Pegasus esteja sendo usado para espionagem".
Jornalistas altamente visados
De acordo com o The Washington Post, dos 1.000 números de telefone infiltrados, os investigadores conseguiram verificar a identidade de 300 de seus proprietários e realizaram uma análise em 22 deles. Foi confirmado que 10 deles foram atacados com Pegasus, 7 com sucesso. As ofensivas sobre os doze restantes não puderam ser normalmente estabelecidas, pois envolviam telefones Android, que não memorizam as informações necessárias para o procedimento.
Uma das categorias mais espionadas são claramente os jornalistas: 40 deles estão nesta lista na Índia. Entre eles, cinco jornalistas do site de investigação The Wire, incluindo um que foi adicionado à lista do spyware logo após publicar as investigações sobre o filho do ministro indiano do Interior.
O telefone do repórter Sushant Singh do The Indian Express também apareceu em meados de 2018, quando ele trabalhava em acusações de corrupção em torno da compra de jatos de combate Rafale da França. As varreduras confirmaram que seu telefone ainda apresentava vestígios da infecção pelo vírus no início deste ano.
"Só um governo pode gastar tanto dinheiro em tal operação"
Foi também entre 2018 e 2019 que a vida de Swati Chaturvedi foi provavelmente espionada. A jornalista investigativa estava então trabalhando em seu livro, já publicado com o título "Eu sou um troll", onde descreve como o partido nacionalista hindu do BJP, no poder, organizou o assédio online a seus opositores.
"Por causa do meu trabalho, estou acostumada a ser observada", explica ela. "Mas essa espionagem é muito mais intrusiva: eles poderiam usar o microfone e a câmera do meu telefone, o que é uma invasão horrível da minha privacidade! E eles também poderiam ter colocado documentos comprometedores para me acusar de terrorismo."
Segundo Chaturvedi, não há dúvida de que o governo de Narendra Modi é o responsável por essa espionagem: "Só um governo pode gastar tanto dinheiro com uma operação dessas", disse.
"Eles querem intimidar os jornalistas"
O software custa cerca de € 6 milhões por ano por licença, utilizável em apenas 50 telefones. "As motivações deles são claras", continua Swati Chaturvedi. "Querem intimidar os jornalistas, da mesma forma que o governo de Narendra Modi vem atacando, nos últimos sete anos, quem ousa expressar desacordo com sua política", declarou.
Vários jornalistas indianos foram processados ??por sedição ou terrorismo nos últimos anos, e Chaturvedi sofreu grande pressão do governo, o que supostamente prova seu interesse em silenciá-la. "Vários empregos me foram estranhamente negados, fui impedida de falar em uma embaixada estrangeira e sofri ataques regulares de trolls do BJP", disse.
Os ataques pessoais foram denunciados pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, que este ano classifica Narendra Modi como um predador da liberdade de imprensa e coloca a Índia em 142º lugar em seu ranking, uma queda de nove posições em quatro anos.
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