Topo

Covid-19: Equador comemora estratégia que acelerou vacinação no país

23/09/2021 08h14

O presidente Guillermo Lasso completa quatro meses de mandato nesta sexta-feira (24) com a terceira melhor campanha de vacinação da América Latina, proporcionalmente até com mais vacinados do que nos Estados Unidos. A elevada popularidade que ele obteve com a façanha é a principal arma para votar as reformas estruturais que o Parlamento lhe nega e que podem terminar num plebiscito.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Em abril do ano passado, o Equador chocou o mundo com as imagens de vítimas de covid abandonadas nas ruas por falta de lugar nos hospitais e nos cemitérios. As cenas dantescas vinham da cidade de Guayaquil, base eleitoral do presidente Guillermo Lasso, apelidada à altura de Wuhan da América Latina, em referência à cidade chinesa de origem do coronavírus.

No dia 24 de maio passado, Guillermo Lasso assumiu o poder com uma das suas promessas de campanha: vacinar, em apenas 100 dias, o equivalente à metade da população, 9 milhões de pessoas.

"Assumir essa responsabilidade foi uma loucura. Era muito complexo cumprir com essa promessa porque a herança recebida do governo anterior foi muito complicada. A área de Saúde estava totalmente desarticulada", explica à RFI o cientista político equatoriano Fernando Carrión, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

O Equador teve cinco ministros da Saúde durante a pandemia e tinha vacinado apenas 3% da população de 17,7 milhões de habitantes. Inspirado no sucesso do presidente chileno, Sebastián Piñera, o equatoriano Guillermo Lasso foi à caça das vacinas. Falou com os governos de Estados Unidos, China, Rússia, Espanha e Canadá. Comprou doses e recebeu doações.

"Foram negociações muito diversificadas. O critério foi a pluralidade sem importar a origem. Lasso replicou o modelo chileno de diversidade de fontes de vacinas", relembra Carrión.

Virada do jogo

Para aplicar as doses, as zonas eleitorais se tornaram postos de vacinação. Os equatorianos tinham votado em abril. Conheciam a sua zona. Lasso aproveitou esse conhecimento e o cadastro de todos os cidadãos acima de 16 anos. Para as localidades mais distantes, usou até as forças armadas.

Em 15 de julho, conseguiu um recorde mundial: vacinou num único dia 2,5% da população. Em 2 de agosto, 13,8% dos equatorianos estavam vacinados com as duas doses. Um mês depois, o número chegava a 52%. Meta cumprida: metade da população vacinada, equivalente a 73% dos maiores de 16 anos.

Neste mês, começou a vacinar os maiores de 12 anos. A nova meta é chegar ao final do ano com 80% da população completamente vacinada e atingir a imunidade coletiva.

Agora, com 55% da população completamente vacinada, o Equador é o terceiro país da América Latina em vacinação. Fica atrás somente de Chile e Uruguai, com 73% cada. Proporcionalmente, vacinou até mais do que os Estados Unidos (54%).

Popularidade em alta

Só uma cifra subiu mais do que a de vacinados: a popularidade do presidente. Segundo a consultora em opinião pública Cedatos, Guillermo Lasso tem 74,1% de popularidade. São 20 pontos a mais do que os 54% com os que foi eleito em abril e 10 pontos a mais do que em junho. E a razão para essa elevada cifra, segundo a Cedatos, é a campanha de vacinação.

"É uma cifra impressionante, atingida por dois motivos: porque vacinou muita gente de forma veloz e porque cumpriu com a promessa", aponta Fernando Carrión, da FLACSO.

Esse capital político é a catapulta para o governo tentar o seu maior desafio: reformas estruturais que precisam passar por um Parlamento de maioria opositora.

O presidente Lasso quer uma reforma trabalhista, uma reforma tributária, privatizações, a duplicação da produção petrolífera e uma nova fórmula para o reajuste no preço dos combustíveis. O objetivo é reativar uma economia que encolheu 7,8% no ano passado.

O governo prometeu enviar ao Parlamento um pacote de medidas sob uma mesma "Lei de Oportunidades Trabalhistas" ainda nesta semana, mas as chances dessas medidas serem aprovadas são mínimas.

"A força do governo nesse campo já não depende do apoio popular. Lasso não tem maioria no Parlamento. Os projetos seguramente serão rejeitados", acredita Carrión.

Consulta popular

O presidente é um ex-banqueiro conservador, rejeitado pelas forças de esquerda e centro-esquerda, maioria no Parlamento unicameral. Os governistas representam apenas 8,7% do total. São apenas 12 dos 137 legisladores. Poderiam chegar a 30 deputados se somassem os 18 independentes, um número ainda insuficiente.

Com a maioria popular, mas com uma minoria no Parlamento, o governo se prepara para uma jogada audaz se o pacote de medidas for rejeitado: convocar uma consulta popular para saber o que a população pensa. Seria uma espécie de plebiscito sobre as medidas, mas também sobre o governo.

"Essa consulta seria ainda neste ano e teria dois objetivos: avançar com as reformas estruturais e reafirmar a popularidade do presidente. As consultas populares terminam sendo menos sobre as medidas e mais sobre quem a convocou. Por isso, funciona como um plebiscito", analisa Fernando Carrión. "Com 74% de popularidade, Lasso ganhará. A consulta será aprovada", arrisca.

Ameaça dos movimentos sociais

A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) ameaça reeditar os violentos protestos de outubro de 2019 se o governo insistir com as reformas e com a nova fórmula de reajuste dos combustíveis. Aqueles protestos contra o aumento nos combustíveis terminaram com 1.500 feridos e com seis mortos.

A Frente Unitária de Trabalhadores (FUT), principal central sindical do Equador, também ameaça uma volta às ruas se o governo insistir com a privatização de empresas públicas e com a alteração nas do mercado de trabalho.

Estudantes universitários também são contra o corte no orçamento para a Educação. Esses setores já fizeram dois protestos, mas não tiveram muita adesão. Somaram entre mil e três mil pessoas e acusam o governo de querer um ajuste nas contas públicas para cumprir com a meta do recente acordo com o FMI.

O presidente Lasso nega. Argumenta que melhorou o acordo assinado pelo seu antecessor. Em vez de 2,5% de aumento nos impostos, o novo acordo exige 0,7% no ano que vem. Garante que não vai aumentar impostos, que já criou um imposto de 4% sobre os mais ricos e que o restante virá da reativação da economia, outra das suas promessas que o tempo dirá se também pode cumprir.