Topo

Análise: Os tentáculos da extrema direita na Europa

18/10/2021 11h51

Na Europa a extrema direita se parece com Briareu, o Titã da Antiguidade Grega que tinha cinquenta cabeças e cem braços, cada uma e cada um com seu estilo próprio. Se isto parece criar uma dispersão de suas forças, por outro lado lhe garante uma grande vitalidade e variedade de ação.
 

Existem alguns temas permanentes para todos os extremistas de direita: ódio aos estrangeiros, imigrantes e refugiados; um nacionalismo exaltado e excludente; a defesa da "Europa cristã"; anti-islamismo; o tradicional antissemitismo; racismo, explícito ou disfarçado; frequentemente, anti-feminismo e homofobia; combate ao que entendem ser a "ideologia de gênero"; euroceticismo, ou descrença na União Europeia; nos últimos tempos, negacionismo em relação à Covid-19 e resistência às medidas sanitárias de qualquer governo.

Podem ainda haver outras bandeiras de caráter local, regional ou nacional, como a defesa da herança franquista na Espanha, da fascista na Itália ou minimização da tragédia nazista na Alemanha, por exemplo.

Mas seja como for, ela se alastra de modo tentacular por onde e como puder, dependendo do seu grau de proximidade em relação a governos, outros partidos e forças de direita e sua penetração popular.

Na Hungria e na Polônia a extrema direita está no governo, através, respectivamente do partido Fidesz, de difícil tradução, liderado pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, e pelo Partido da Lei e da Justiça, do presidente Andrzej Duda e do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki.  Ambos os países estão em conflito judicial com as autoridades da União Europeia, pois contestam a obrigação de aceitar a prioridade das decisões judiciais desta sobre as de seus próprios tribunais e outras instâncias de governo.

O problema é que a União Europeia condiciona tal aceitação como pré-requisito para o recebimento dos subsídios financeiros concedidos aos países membros. No caso da Polônia, já se fala até na possibilidade de sua saída da UE, embora as pesquisas indiquem que a grande maioria dos poloneses prefere a permanência.

Já os governos da Croácia e da Grécia, ambos de direita, estão para serem submetidos a escrutínio por parte da Comissão Executiva da UE. Motivo: reportagens investigativas de um conjunto midiático, liderado pela revista alemã Der Spiegel, revelou que forças para-militares dos dois países têm detido, espancado e forçado refugiados que procuram atravessar as suas fronteiras a retornarem para fora do território do bloco.

No caso da Grécia as acusações envolvem denúncias de que refugiados foram devolvidos ao mar em suas embarcações precárias. Mais: pairam suspeitas de que estas forças paramilitares pertencem ao aparato policial dos dois países, e obedeceriam ordens superiores oriundas desde dentro de seus governos.

Os casos de França, Alemanha e Espanha

Na França a extrema direita, como bloco, cresce nas intenções de voto para as eleições presidenciais previstas para abril de 2022. O polemista Éric Zemmour, que ainda não é oficialmente candidato, já desfruta de 17% das intenções de voto. Marine Le Pen, do Rassemblement National (Reunião Nacional), tem 15%. Os dois juntos somam 32%.

O atual presidente, Emmanuel Macron, tem 24%, e os quatro partidos mais à esquerda, Verdes, Socialistas, Comunistas e a França Insubmissa, somam 25%. O cenário da eleição anterior, com Macron enfrentando uma candidatura de extrema direita no segundo turno, deve se repetir. Com a diferença de que há muitas dúvidas sobre se os partidos de esquerda o apoiarão.

Na Alemanha o partido Alternative fúr Deutschland, de extrema direita, não se saiu muito bem nas últimas eleições federais. Mas desfrutou de boas votações entre os eleitores mais jovens da antiga Alemanha Comunista, assolados pelo desemprego e pela alta do custo de vida.

Na Península Ibérica a extrema direita se articula cada vez mais, com a crescente influência do partido Vox na política espanhola. Vox se dedica, entre outras causas, a resgatar a memória da ditadura franquista.

Força e debilidades

O caso mais notável destas iniciativas radicais de direita aconteceu há cerca de duas semanas na Itália. Ao final de uma manifestação convocada por organizações extremistas contra medidas sanitárias em Roma, metade dos 10 mil militantes presentes (dados oficiais) se separou do resto e tentou invadir a sede do governo italiano, o Palácio Chighi, na Piazza Colonna, nos moldes da invasão do Capitólio, em Washington.

Detida pela polícia, a multidão mudou de rumo, invadindo e depredando a sede de uma das principais centrais sindicais italianas, a CGIL, Confederazione Generale Italiana del Lavoro, num gesto que lembrou as antigas práticas fascistas. 

Estas e outras múltiplas ações da extrema direita europeia vêm mostrando sua amplitude e sua força, mas ao mesmo tempo expõem seus problemas e debilidades. Apesar do esforço de promover sua unificação programática e pragmática, ela padece de uma dispersão promovida pela natureza de algumas de suas bandeiras, como a do nacionalismo excludente e competitivo.

A sua evocação de uma Europa saudosista e unificada se ergue sobre a mística de uma resistência contra inimigos descritos como pesadelos: judeus, muçulmanos, comunistas, feministas, homossexuais, lésbicas, sanitaristas, defensores de direitos humanos... 

O problema é que por aqui, como em outras geografias, ainda existem multidões que preferem permanecer  no pesadelo a despertar e enfrentar o mundo como ele é.