Em Paris, Lula se reúne com Macron após receber prêmio de "Coragem Política"
Em seu segundo e último dia de visita a Paris, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido nesta quarta-feira (17) pelo chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, no Palácio do Eliseu. Eles discutiram a urgência climática e o futuro das relações entre o Brasil e a União Europeia, entre outros temas da agenda global. Na conversa com o líder francês, que assim como o petista ainda não oficializou sua candidatura às eleições presidenciais de 2022, Lula defendeu mudanças na governança mundial.
A reunião com Macron fecha com chave de ouro a passagem de Lula por Paris, terceira etapa de um giro europeu que já levou o petista à Alemanha e à Bélgica, onde foi recebido por Olaf Scholz, vencedor das eleições alemãs e provável sucessor de Angela Merkel, e lideranças do Parlamento Europeu.
O porta-voz do governo francês, Gabriel Attal, declarou que Macron chamou Lula para o encontro "para tratar de temas absolutamente fundamentais na atualidade: a pandemia de coronavírus, seu impacto social e na saúde, os desafios ambientais, a questão climática, a questão do combate ao desmatamento, que estiveram no centro das discussões que tivemos durante a COP26", comentou Attal.
As relações entre a França e o Brasil estão abaladas desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Os atritos começaram por causa das queimadas na Amazônia, mas depois ganharam outra dimensão. Em 2019, Bolsonaro trocou uma reunião prevista com o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, por uma ida ao barbeiro, onde gravou uma live. No mesmo ano, os comentários grosseiros sobre a aparência física da primeira-dama Brigitte Macron, feitos tanto por Bolsonaro quanto por Paulo Guedes, ministro da Economia, azedaram de vez as relações entre os dois.
Ao receber Lula no Palácio do Eliseu com um protocolo reservado a chefes de Estado, Macron envia um sinal político forte de reconhecimento da estatura global do petista.
Durante a manhã, Lula recebeu o prêmio Coragem Política 2021 concedido pela prestigiosa revista Politique Internationale. O petista é a quarta personalidade no mundo agraciada com esta distinção por sua gestão "marcada pelo desejo de promover a igualdade" no Brasil.
Na coletiva organizada após a entrega do prêmio, Lula reafirmou que ainda não definiu se será candidato em 2022. Ele explicou que está viajando na Europa para "restabelecer a credibilidade que o Brasil já teve no mundo".
Lula criticou as "escolhas econômicas desastrosas" do governo Bolsonaro, "em especial para os trabalhadores, os mais pobres, o meio ambiente e os direitos humanos", ameaçados atualmente no Brasil, frisou o petista. Por outro lado, ele disse que "se o Partido dos Trabalhadores ou outra força política (democrática) ganhar as eleições, nós vamos voltar a trabalhar muito forte com a União Europeia (...) e com a França, um parceiro estratégico nosso".
Lula lamentou que Bolsonaro tenha tirado o país do centro das decisões internacionais: "O Brasil está afastado, não participa de nada, não é convidado para nada." Ele lembrou que o Brasil está entre as dez maiores economias do mundo e deve ter uma participação forte nas decisões de política internacional. O petista voltou a defender uma reforma da governança mundial, retomando propostas que desenvolveu na terça-feira (16), em sua palestra na escola de ciências políticas Sciences Po de Paris, onde recebeu o título de Doutor Honoris Causa há dez anos.
"Eu falei da necessidade de convocarmos uma conferência mundial para falar de governança. Não dá mais para a gente ficar subordinado às atuais decisões da ONU, porque já não representam mais grande coisa e ninguém mais obedece", disse. "É preciso colocar outros atores, é preciso acabar com o direito de veto (no Conselho de Segurança)... todos os continentes têm de estar representados", insistiu. "A geopolítica de 2022 mudou e a ONU precisa se inovar, ter novos dirigentes, para que possa ter mais influência positiva no mundo", ressaltou. O tema voltou a ser discutido na conversa com Macron.
Empresários franceses questionam se Brasil será exemplo de potência sustentável
Lula recebeu o prêmio da revista Politique Internationale na presença de 180 empresários, diplomatas e ex-ministros, integrantes de um seleto clube de leitores da revista. Em um café da manhã organizado num hotel cinco estrelas da capital francesa, os convidados puderam questionar o petista sobre sua visão do futuro do Brasil. Havia na sala representantes da fabricante de aviões Dassault, das montadoras Peugeot e Renault, da gigante de cosméticos L'Oréal e do Facebook França, entre outras empresas.
Muitos estavam curiosos para saber de que forma o Brasil poderá retomar o caminho do crescimento e, ao mesmo tempo, se adaptar às exigências de combate às mudanças climáticas. Lula considerou ambos os objetivos compatíveis. Ele defendeu para o país "uma forte política de desenvolvimento interno, e uma forte expansão de política externa". "Em oito anos de governo, nós colocamos uma Colômbia e uma Argentina dentro do sistema financeiro", recordou o ex-presidente. "O Brasil poderá voltar a ser uma economia pujante, crescendo interna e externamente, o que é possível fazer, e a solução estará mais uma vez em transformar os pobres em consumidores", disse.
Ex-presidente defende reformulação de acordo UE-Mercosul
Lula defendeu a reformulação do acordo comercial de 2019 entre a União Europeia (UE) e o Mercosul após as eleições de 2022, depois de criticar um pacto fechado de maneira "precipitada". "Sua conclusão foi equivocada, precipitada (...) Depois de 2022, após os processos eleitorais em vários países, temos que nos reunir de novo ao redor de uma mesa, sem preconceitos, com a ideia de fazer um acordo que possa ser bom", disse.
O ex-presidente reiterou que a UE precisa "entender" que os países do Mercosul devem poder exportar produtos manufaturados de maior valor agregado. Ele também considerou "perigoso" que "o Mercosul aceite que a Europa possa participar" nas licitações públicas nos países do bloco sul-americano.
Questionado sobre o comércio bilateral com a China, hoje um parceiro comercial muito mais rentável para o Brasil do que os países da UE, Lula afirmou que as exportações brasileiras para o gigante asiático "não prejudicam o comércio com o bloco".
Lula encerra sua visita a Paris na noite de quarta-feira e segue para a Espanha, onde se reunirá com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez.
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