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Governo argentino quer "capturar" parte da "renda inesperada" obtida pelas grandes empresas com a guerra na Ucrânia

07/06/2022 04h45

Enquanto o presidente Alberto Fernández afirma que lucro extraordinário deve ser usado para gerar igualdade e justiça social, os empresários advertem sobre as consequências nos investimentos e veem na iniciativa uma forma de o governo cumprir a meta com o FMI sem fazer um ajuste fiscal.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O governo argentino anunciou o envio ao Congresso de um projeto-lei que cria o chamado "imposto sobre a renda inesperada" sobre as grandes empresas beneficiadas pelo aumento dos preços internacionais devido à guerra na Ucrânia, uma iniciativa rejeitada pelos principais empresários do país.

"Esta guerra nos submete a duas realidades: que milhões de seres humanos entrem em risco enquanto poucos ganham muitíssimo com os efeitos dessa guerra. Essa é a imoralidade que não podemos permitir. Estamos aqui para equilibrar aquilo que foi desequilibrado", disse na noite desta segunda-feira (6) o presidente Alberto Fernández, acompanhado pelo ministro da Economia, Martín Guzmán, na Casa Rosada.

O projeto-lei procura implementar uma alíquota de 15% sobre o lucro extraordinário das companhias. Essa nova alíquota soma-se ao vigente imposto de renda do ano em exercício de 2022.

As empresas atingidas serão aquelas que tiverem um lucro líquido superior a um bilhão de pesos argentinos (US$ 8,2 milhões). No ano passado, 3,2% das empresas do país superaram esse montante.

As rendas dessas companhias serão taxadas se forem atingidas por uma das duas condições: margem de lucro contábil em 2022 superior a 10% ou aumento da margem de lucro em 2022 em relação a 2021 de, pelo menos, 20%.

"O destino do que for arrecadado será um fundo a ser proporcionalmente distribuído à União e às províncias para a implementação de políticas públicas, visando maior equidade social", argumentou o ministro Martín Guzmán.

Lucro compartilhado

Pela lógica do governo, a alta dos preços internacionais, devido à invasão russa na Ucrânia, gera uma "renda inesperada" para as empresas que exportam commodities sem que tenham aumentado investimentos para produzir mais.

"A única forma de sustentar um crescimento que signifique progresso é se esse crescimento for partilhado entre todos", apontou Guzmán.

"Estamos trazendo igualdade e construindo justiça social", concluiu o presidente Alberto Fernández, dando como exemplo medidas semelhantes adotadas no Reino Unido e na Itália. Nesses países, no entanto, o novo imposto recai apenas sobre as empresas petrolíferas.

Semanas atrás, o ministro Martín Guzmán foi criticado quando indicou que o governo preparava um novo imposto para "capturar parte da renda extraordinária". Desta vez, o ministro evitou o verbo "capturar". Usou "administrar a renda inesperada" enquanto fazia um gesto de captura ao fechar as duas mãos como garras.

Empresários advertem

A Argentina é uma das maiores exportadoras de produtos agrícolas, incluindo os produtos mais afetados na Rússia e na Ucrânia como milho, girassol e trigo. No entanto, além do imposto de renda, os produtores já pagam um imposto extra sobre a exportação agropecuária de até 35%. Apenas seis países no mundo aplicam imposto sobre as exportações.

"A criação de novos impostos como esse anunciado de 'renda inesperada' vai contra o estímulo aos investimentos e ao emprego. Na Argentina, estão em vigência 165 impostos e a carga tributária sobre o setor formal é muito elevada, superando amplamente a média dos países da região", criticou a Associação Empresarial Argentina (AEA) através de uma nota.

A União Industrial Argentina (UIA) também emitiu uma nota para expressar a sua "preocupação com os efeitos de uma alíquota adicional sobre o setor produtivo e advertiu que o aumento da pressão tributária terá impacto negativo na atividade econômica e no emprego".

Desde que assumiu o cargo, o presidente Alberto Fernández subiu ou criou 20 impostos, enquanto os países da região diminuíram a carga tributária para compensar as perdas com a pandemia e para incentivar a retomada do crescimento.

A consultora econômica Sarandí calcula que o novo imposto argentino arrecade o equivalente a 0,41% do Produto Interno Bruto e ajude o governo a reduzir o atual déficit fiscal primário de 3% a 2,5% do PIB, conforme a meta estabelecida no acordo financeiro com o FMI.

O novo imposto precisará passar pelo Congresso, onde o governo ainda não conta com todos os votos necessários.

"Pedimos e valorizaremos profundamente o acompanhamento do Congresso nestas circunstâncias tão difíceis para todo o mundo, para evitar injustiças e para que a Argentina avance numa trilha de progresso", pediu o ministro da Economia, Martín Guzmán.

Nos primeiros quatro meses do ano, a Argentina acumula uma inflação de 23,1% e o relevamento do mercado emitido pelo Banco Central projeta uma taxa de 72,6% no ano. Desde março, a inflação mensal tem superado os 6%.