Passagem de autor de "O Pequeno Príncipe" pelo Brasil inspirou filme premiado em festivais
Quem vai à praia do Campeche, no sul da Ilha de Santa Catarina, passa pela avenida principal: a Pequeno Príncipe. A referência a um dos livros mais vendidos no mundo e que vai completar 80 anos em 2023 não é à toa. A avenida era a pista onde o então piloto Antoine de Saint-Exupéry pousava o avião do correio aéreo francês, nas décadas de 1920 e 1930.
Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles
Por anos, a história foi contada na comunidade de pescadores da região e sempre ativou a imaginação sobre como a passagem pode ter influenciado o francês ao escrever, em 1943, um dos maiores clássicos da literatura.
O filme "Dás um Banho, Zé Perri!" passeia pelos cenários onde pousava e passeava Exupéry e brinca com as possibilidades de os traços do livro - que já foi traduzido para mais de 250 idiomas - terem sido rabiscados nas visitas ao sul do Brasil.
O curta-metragem percorre o circuito de festivais há seis meses, já levou 11 premiações e teve no mês de junho a primeira estreia mundial em um cinema, em Richmond, no estado da Virgínia (EUA). No Festival Independente de Curtas, de Los Angeles (Independent Shorts Awards), levou medalha de bronze nas categorias de fantasia e diretor estreante, para Zé Dassilva.
História recontada
Inspirado em toda memória afetiva que a cidade tem pela passagem do escritor de "O Pequeno Príncipe", o catarinense Zé Dassilva escreveu o roteiro há mais de 20 anos e agora estreia na direção com o curta-metragem.
"É uma ficção ambientada em Florianópolis naquela época, onde um desenhista quer conquistar uma garota que diz que só vai ficar com ele se o sujeito levá-la para dar uma volta de avião. Para isso, ele manda uma carta para os aviadores franceses - mas, uma carta desenhada, porque ele não conhece o idioma deles", explica. "Só um outro desenhista seria capaz de entender aquela carta e ir ao Brasil ajudá-lo. E o aviador desenhista que faz isso é justamente Saint-Exupéry", conta o diretor.
Zé Dassilva é roteirista de novelas da TV Globo e é daqueles desenhistas que, por onde passam, colocam releituras no papel. E daí vem a conexão de artista para artista: será que assim como o catarinense dos dias de hoje, o francês do século passado também vivia com caderninho e lápis na mão desenhando tudo? Poderia ser aquele planeta distante de "O Pequeno Príncipe" uma ilha da América do Sul perdida no mar? A inspiração, para quem vive rodeado por essa história, nunca termina.
No curta, os famosos desenhos de Saint-Exupéry ganham vida na tela e se misturam com a paisagem local. "Os personagens que Saint-Exupéry e o desenhista Celestino encontram ao longo da história fazem alusão ao livro. Até alguns desenhos do livro (feitos também por Exupéry) inspiraram cenas do filme. Construímos até um muro igual ao que Exupéry desenhou no livro, por exemplo."
Filmagens em avião especialmente concebido
O roteiro que levou duas décadas para sair do papel teve cinco dias de filmagem. O elenco uniu talentos locais com nomes conhecidos nacionalmente: Rodrigo Fagundes, Marcos Veras, Alana Ferri, Isis Pessino, Chico Caprario, Marcelo Perna, Gringo Starr, Severo Cruz, Renato Turnes, Paulo Vasilescu, Sandro Maquel, Arnaldo Braga, Arnaldo Batata e Chico Santos.
E em um filme sobre aviador, o avião é essencial. "A gente construiu o primeiro avião cenográfico da história do cinema brasileiro. É um Breguet 14 - que era o avião que Exupéry usava -, feito em tamanho natural pelo escultor Michel Martins, a partir do projeto original", afirma Dassilva. "Esse é um curta que teve dificuldades de longa. Cada cena era com atores diferentes, em uma locação diferente, a maioria delas externas e teve até cena em mar aberto."
Para entender o título: Dás um banho, Zé Perri!
Quem nasce em Florianópolis é carinhosamente chamado de "manezinho da Ilha" e, no vocabulário manezês local, com sotaque herdado da Ilha dos Açores, "Dás um banho" é uma expressão usada quando uma pessoa faz algo extraordinário - mas pode ser dita com tom irônico também.
Já Zé Perri era como os pescadores chamavam o aviador. Claro, eles não falavam francês, assim como Exupéry não falava português, mas todos se entendiam e cultivaram uma bela amizade. E quem sabe foi lá que o escritor aprendeu também que o essencial só pode ser visto com o coração? Nas histórias dos pescadores, ficou provado que o aviador cativou a comunidade e será eternamente responsável por isso, permitindo todos os trocadilhos.
O filme ainda não estreou no cinema no Brasil - teve apenas uma sessão especial no aeroporto de Florianópolis.
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