Nicarágua: "A erradicação da tortura não é uma opção política", alerta relator da ONU
O Comitê das Nações Unidas contra a Tortura concluiu que o Estado da Nicarágua violou sistematicamente os direitos humanos e a Convenção contra a Tortura. O levantamento indica que 97% das denúncias ocorreram em centros de detenção. Organizações civis denunciam a total falta de compromisso com suas obrigações internacionais e alertam para a falta de colaboração do governo de Daniel Ortega para melhorar a situação revelada pelo estudo.
Em 14 de julho, o Comitê Contra a Tortura convocou a Nicarágua para uma revisão de suas posições. O Estado não compareceu e acusou a comissão de parcialidade na administração de seus relatórios e de interferir em suas leis. Diante da recusa, a comissão destacou que tais declarações revelam um profundo desconhecimento, pois a Nicarágua assinou a Convenção em 1985, durante o primeiro mandato de Daniel Ortega, e continua vinculada a ela.
"Essa resistência não é nova e ocorre enquanto o Estado é acusado de lançar uma política de prisões arbitrárias contra qualquer tipo de oposição", afirmou Tania Agosti, da ONG suíça Raça e Igualdade, na coletiva de imprensa virtual sobre a análise das Observações Finais do Comitê contra a Tortura na Nicarágua. "Atualmente, há relatos de pelo menos 190 pessoas privadas de liberdade por motivos políticos em condições desumanas e onde há sinais claros de tortura e violência sexual", ela acrescenta. "O comitê não hesita em apontar que essas ações são resultado da ausência de órgãos de controle independentes e da subordinação das instituições de segurança ao Poder Executivo", completa Agosti.
Falta de independência do Judiciário
De acordo com Juan Carlos Arce, do coletivo "Nicarágua Nunca +", "a comissão manifesta, em primeiro lugar, a sua preocupação com a falta de independência e imparcialidade do Judiciário e da Procuradoria-Geral da República, o que facilita o uso do direito penal para criminalizar a dissidência, a violação das garantias judiciais e a impunidade".
Essas mesmas preocupações são compartilhadas por outras organizações, como o Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura (SPT). "Sabemos que há limitações muito sérias nas visitas de parentes de prisioneiros", denuncia Juan Pablo Vegas, relator do SPT para a Nicarágua. "E também sabemos que nem o Comitê Internacional da Cruz Vermelha conseguiu realizar visitas às prisões, desde meados de 2021", completa.
"A prevenção e erradicação da tortura e outros tratamentos e penas cruéis, desumanos e degradantes não são uma opção política, nem um slogan humanista, e muito menos uma imposição de um poder externo que viola a soberania de um Estado", argumenta Vargas. "É importante ter em mente que o SPT é uma organização de cooperação com governos. Na verdade, acho claro que a falta de cooperação do Estado nicaraguense faz parte de um padrão de comportamento repetido", conclui.
A última vez que este subcomitê visitou a Nicarágua foi em 2014. O grupo pretende retornar em 2023, se o presidente Ortega permitir a sua entrada.
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