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Filme de cineasta brasileiro em Biarritz aborda crescimento da extrema direita

28/09/2022 11h15

O que tem em comum a realidade de Tulle, uma pequena cidade de 15.000 habitantes no centro da França, com a do Brasil? Para o cineasta carioca Filipe Galvon, o crescimento da extrema direita neste pequeno vilarejo francês pode dialogar com o momento atual do Brasil pré-eleitoral. O filme L'année prochaine à Tulle, (O Próximo ano em Tulle, em tradução livre) uma coprodução franco-brasileira (2022), foi apresentado nesta terça-feira (27) no Festival de Cinema Latino Americano de Biarritz. 

Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz

Nascido no bairro de Encantado, no Rio de Janeiro e radicado na França desde 2013, o diretor mergulha nas memórias dos últimos dez anos e relembra os eventos que moldaram a sua experiência como brasileiro e estrangeiro na Europa: a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil e a ascensão aparentemente inevitável do conservadorismo nos dois lados do Atlântico. 

"Eu decidi falar do Brasil através da França. Nesse filme, eu falo muito mais do que eu vejo ao meu entorno e que, para mim, me lembra  o que aconteceu no Brasil, para tentar entender o que levou pessoas de lugares periféricos de Tulle, onde se passa o filme, ou como no caso do meu bairro no Rio, a votarem majoritariamente por um projeto que eu considero de extrema direita, um projeto conservador antissistêmico, de destruição do sistema político que conhecemos", explica Filipe Galvon, em entrevista à RFI em Biarritz.  

"Eu creio que há uma constatação muito clara que é algo que não funciona mais, que faz com que a vida delas não avance. Nós vemos nos vilarejos franceses o comércio se degradando e a raiva das pessoas se transformando em voto, encontrando  subterfúgios como racismo e xenofobia que são truques eleitorais para um outro projeto ultraliberal que vai, no fim, piorar a condição dessas pessoas, polarizar e radicalizar ainda mais", acredita o cineasta. 

Desilusão

Para contar essa história, Galvon refaz os seus primeiros passos em Paris, no início dos anos 2010, até a sua instalação em Tulle, pequena cidade da Corrèze. Neste canto deserto da França, ele descobre a desilusão que afeta as classes trabalhadoras.

Através deste itinerário pessoal, o curta-metragem revela um inventário da atual crise da democracia e procura recuperar a esperança.

"A melancolia é um sentimento natural quando você está fora do país.  Esse sentimento de exílio, que não tem a ver com o exílio da época da ditadura, nem banimento oficial, mas com um estranhamento e uma relação ambígua com uma ideia de país. No meu caso, eu saí para estudar e em cinco anos o país se transformou completamente e hoje em dia é um país que você nem reconhece", diz. 

O filme de Galvon foi exibido dentro do debate organizado pelo Instituto de Ensinos Avançados da América Latina da Universidade Sorbonne Nouvelle e que faz parte da programação paralela do festival de Cinela de Biarritz. 

Em período pré-eleitoral, o brasileiro, que vai votar domingo (2) na França, fala da importância de analisar o momento atual. Ele lembra com saudosismo de um Brasil que deixou para trás, ao se mudar para a Europa. "Voltar a um tempo que todos nós queriamos, quando o Brasil prosperava e havia uma concórdia. Nós não estamos mais nesse tempo, estamos num tempo de polarização e é preciso entender como a gente chegou até aqui", completa Galvon.   

"O Bolsonaro põe na mesa as falhas das instituições brasileiras, os problemas das instituicões democráticas brasileiras, do Congresso Nacional que, talvez mais do que antes, está mergulhado num sistema que por si só tende à corrupção", alerta o cineasta em Biarritz.  

O Brasil também está representado na mostra competitiva do Festival Latino Americano de Biarritz e na seção Focus Brésil, uma seleção de filmes nacionais escolhidos pelo cineasta Kleber Mendonça Filho.