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Novo relatório do IPCC mostra que existe esperança na luta contra as mudanças climáticas, mas é preciso agir rápido

20/03/2023 16h40

O novo relatório do Painel Internacional de Pesquisadores sobre Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC, publicado nesta segunda-feira (20), tenta trazer esperança e afirma que ainda há tempo de agir para reduzir as consequências do aquecimento global. Mas o documento também continua a insistir sobre a urgência e a gravidade do problema.

O relatório de síntese resume o conteúdo produzido pelos três grupos do IPCC, durante quase uma década, em seus relatórios - publicados entre 2021 e 2022 - e três documentos especiais. O último documento deste tipo foi realizado pelo grupo em 2014.

"Eu poderia definir a mensagem do relatório de síntese em três palavras: urgência, gravidade e esperança", afirma a pesquisadora Mercedes Bustamante, a única especialista brasileira do IPCC a participar da sessão plenária de avaliação do documento, com 92 outros especialistas, na semana passada, na Suíça. "A urgência é efetivamente a necessidade de entrar rapidamente numa rota de redução das emissões. A gravidade é em função dos impactos que já se fazem sentir e dos impactos previstos para o futuro", explica.

"Mas há esperança. Tecnicamente, os modelos mostram que a gente ainda tem uma janela de oportunidade para a redução significativa das emissões até 2030, porque as opções existem", afirma a especialista. "A indicação é de que ação climática tem sido efetiva. Nós só precisamos ganhar agora em escala", completa.

Bustamante destaca que as opções para redução das emissões existem hoje para todos os setores, numa faixa de custo relativamente acessível.

Outro motivo que gera otimismo, de acordo com ela, são os benefícios provados da ação climática e destacados no relatório de síntese. "Quando você reduz a poluição, reduz as emissões de gases de efeito estufa e você tem melhorias sobre a saúde humana que já por si só se sobrepõem aos custos que nós teríamos com ações de mitigação e supera [em benefícios] o custo que a gente teria para adaptação dos sistemas", explica.

Impactos 

Mas o relatório também reforça a ideia, já presente nos documentos anteriores, que a humanidade ainda não está no caminho certo para reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

Em 2018, o IPCC enfatizava que limitar o aquecimento planetário a 1,5°C era um enorme desafio. Cinco anos depois, o desafio é ainda maior devido ao aumento contínuo de emissões de gases do efeito estufa.

"O ritmo e a escala das medidas tomadas até agora, assim como as planificadas, não são suficientes para enfrentar as mudanças climáticas", afirma o documento enviado a imprensa pelo grupo.

Mas "reduções profundas, rápidas e prolongadas das emissões (...) levariam a um abrandamento visível do aquecimento global em cerca de duas décadas", escreve o grupo de cientistas.

O documento mostra também que a crise climática não ameaça apenas gerações futuras, mas que as consequências já se fazem sentir em várias partes do mundo. Elas colocam, hoje, cerca de metade da população global em situação de vulnerabilidade.

De acordo com o IPCC, as mudanças da temperatura mundial já causaram "perdas consideráveis" e "cada vez mais irreversíveis", colocando em risco a segurança alimentar e de acesso à água.  

"Esse grau de exposição está associado a aspectos socioeconômicos e também ao contexto ambiental. Em algumas regiões no mundo, essa convergência de maior vulnerabilidade ambiental e climática está associada a uma maior vulnerabilidade socioeconômica", diz Bustamante.

O Brasil tem regiões nesta situação, destaca a especialista. "A gente pode pensar no Nordeste brasileiro em função da situação socioeconômica, mas também do agravamento da questão do processo de desertificação, de seca e de parte da nossa população urbana também, que vive em assentamentos informais e expostos, por exemplo, a eventos extremos de precipitação, como nós vemos recentemente no Brasil", cita a especialista.  

 

"A instauração de uma justiça climática é essencial, porque as populações que contribuem menos para as mudanças climáticas são as que sofrem as maiores consequências", declarou Aditi Mukherji, especialista indiana de adaptação e mitigação em nome dos 93 autores do relatório de síntese.

Lobby de países produtores de combustíveis fósseis

Na realização do documento, não participam apenas cientistas, mas também representantes dos 195 países que assinaram a Convenção Quadro da ONU sobre as Mudanças Climáticas, aceitando diminuir suas emissões de gases do efeito estufa.

Os negociadores da Arábia Saudita lutaram para atenuar os parágrafos sobre o papel central do país dos combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão). Alguns participantes da plenária, teriam lamentado concessões feitas aos países produtores de petróleo, principalmente no que se refere à tecnologia de captura de CO2.

Bustamante explica que nos processos associados ao sequestro de gás carbônico, existe um espectro de medidas que vão desde o uso da terra, com base no reflorestamento e a conservação das florestas, até outras medidas de caráter mais tecnológico.

"Essa discussão aparece porque a maior parte dos modelos apontam que não vai ser suficiente só reduzir as emissões. A gente vai precisar também aumentar o sequestro de carbono e considerar também que em algumas atividades você ainda vai ter emissão de gases de efeito estufa por combustíveis fósseis, que são muito difíceis de serem reduzidas ou eliminadas completamente", diz.

"Então, para abater essas essas emissões, você precisa de mecanismos de sequestro de carbono. A questão hoje é quais são as tecnologias que serão usadas e quais são as limitações e os potenciais impactos negativos que essas tecnologias também podem ter", explica.

Outro ponto do relatório é a necessidade de incentivos e investimentos para a adaptação. Mas Bustamante lembra que toda adaptação tem limites, como por exemplo, a tolerância humana ao calor.

Ela também ressalta a importância de considerar que os impactos sobre a natureza têm uma relação direta com o aumento da qualidade de vida humana. "O relatório de síntese traz sempre essa visão convergente de impactos sobre a natureza e sobre os seres humanos. Muitas vezes é difícil separar os dois, tal é a nossa dependência também dos chamados serviços ecossistêmicos, as características do funcionamento dos sistemas naturais que são essenciais para a qualidade de vida do ser humano", diz.

Em resumo, o relatório enfatiza que que a mudança climática é um grande desafio existencial para a humanidade. O documento de síntese será usado no primeiro Global Stocktake, um mecanismo previsto no Acordo de Paris, que visa realizar uma avaliação mundial dos efeitos das medidas tomadas na luta contra as mudanças climáticas. O fórum deve indicar se a humanidade está no bom caminho ou precisa de metas de redução de emissões de gases do efeito estufa mais ambiciosas.