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"Antes da coroa, existe um cocar", diz Célia Xakriabá em defesa dos povos indígenas

25/04/2023 06h44

Mais de seis mil indígenas devem passar por Brasília no Acampamento Terra Livre, encontro que segue até sexta-feira. Tragédia Yanomami e vitória de Lula reacenderam a pauta dos povos originários na sociedade, mas desafio é avançar na segurança das comunidades, mesmo com um Congresso conservador.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

O maior encontro de etnias do Brasil ocorre sob um misto de perspectivas: a esperança de alterar a realidade dramática dos povos originários a partir da mudança de governo e do engajamento da sociedade civil, mas também a consciência de que não dá para esperar, pois há muito o que fazer em meio a um cenário político desafiador. Tanto que o mote deste ano é direto: os índios reivindicam a homologação de suas terras.

A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) reconhece 764 áreas indígenas em todo território nacional, das quais 483 foram homologadas e 281, ou 37% do total, ainda estão sob análise, em etapas variadas do processo. Ter o reconhecimento oficial de que a terra é deles é o primeiro passo para a sobrevivência de um povo, disse à RFI o indigenista Márcio Santilli:

"A demarcação das terras indígenas é a providência mais básica da política indigenista, porque sem território reconhecido e demarcado, fica praticamente impossível desenvolver as atividades econômicas de maneira sustentável e ao mesmo tempo garantir a segurança das comunidades indígenas. O governo anterior não apenas paralisou a demarcação das terras indígenas, como promoveu a invasão dos territórios já demarcados por garimpeiros, madeireiros e empresários do agronegócio."

Santilli afirmou que a situação de violência, conflito e morte em terras indígenas é o problema número 1 hoje a ser combatido pelas autoridades. Mas para assegurar a vida nas aldeias é preciso uma intervenção que recupere a cadeia produtiva indígena. "Houve um completo aniquilamento das políticas indigenistas ao longo desses anos. E é necessário que o governo atual encontre formas de fomentar as atividades econômicas, facilitar o acesso dos produtos indígenas aos mercados regionais e com isso promover o desenvolvimento sustentável dessas comunidades brasileiras."

Desmatamento e tragédia Yanomami

O Acampamento Terra Livre acontece desde 2004, mas não é sempre que a pauta indígena teve a ressonância na mídia e nos debates como acontece hoje. A maior visibilidade se deve em grande parte à alta do desmatamento da floresta Amazônica e à tragédia Yanomami, que ganhou manchetes no mundo todo ao mostrar as consequências do garimpo ilegal dentro da reserva.

Além disso, o atual governo prometeu dar atenção à pauta dos povos originários, criando um ministério específico sobre o tema comandado por uma indígena. Uma das apostas vem também da participação de celebridades na defesa dos direitos dos índios, como o DJ Alok, que participou em Brasília da sessão que celebrou o encontro das comunidades.

"Depois que eu tomei consciência sobre o assunto, eu não tive mais como ser omisso. A minha conexão começou em 2014, quando eu fui para a aldeia Mutum do povo Iauanauá, no coração da Amazônia. Eu aprendi que não há cultura mais ou menos desenvolvida. O que existem são valores e objetivos diferentes. Enquanto eu estava fazendo música para o top 10, eles estavam fazendo música para curar".

"Não é possível debater soluções para as mudanças climáticas sem a presença dos povos indígenas lá. O Brasil tem uma grande chance de se tornar potência da economia verde, mas para isso a gente precisa preservar nossas riquezas naturais. Eu acho que uma boa forma de começar é proteger quem as protege", falou o DJ da tribuna da Câmara.

Alok foi em pessoa, mas o todo poderoso presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), enviou um discurso para ser lido e, como a grande maioria dos parlamentares, não compareceu ao plenário da Casa durante o evento.

Tramitação de propostas de retrocesso

E vem justamente do Legislativo boa parte das preocupações dos povos originários, já que lá tramitam propostas que questionam direitos deles ou reduzem a participação dos índios em decisões sobre exploração econômica em terras demarcadas.

"São mais de 1.025 projetos de lei, em grande maioria de retrocesso ao direito dos povos indígenas. As pessoas que não se sensibilizam com o que está aí, como o estupro de meninas Yanomami, a violência pelo garimpo, são pessoas que não se preocupam com o combate à fome, não se preocupam com a defesa de nosso bioma. Não se trata apenas de pauta política, são pautas humanitárias", afirmou a deputadaCélia Xakriabá (Psol-MG).

 "Eu quero perguntar para os parlamentares aqui dessa Casa: cheguem em sua casa em pleno abril indígena e perguntem a seus filhos se eles gostam dos povos indígenas. Eu tenho certeza de que essa nova geração reconhece a importância dos povos indígenas, porque nós somos 5% da população mundial e protegemos mais de 80% da floresta do mundo inteiro. Antes da coroa, existe um cocar".

A parlamentar disse que em 2019, 135 lideranças indígenas foram assassinadas e, em 2021, 185 morreram na luta pelo reconhecimento de seus territórios. "É como se para ter o registro de um imóvel, alguém da família precisasse morrer".