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Itália: após barrar imigrantes e impedir registro de filhos de casais gays, Meloni corta ajudas sociais

01/05/2023 11h28

Ao que tudo indica, ainda vai demorar para a premiê italiana, Georgia Meloni, do partido pós-fascista Fratelli d'Italia, ser chamada pelos seus compatriotas de "mãe cristã", como se autoproclama a loira preferida de Berlusconi. Em questão de semanas, ela introduziu leis para reduzir a chegada de migrantes no país, se comprometeu em defender valores conservadores, inclusive impedindo que as prefeituras registrem filhos de casais do mesmo sexo, e agora anunciou cortes na área social. 

Nesta segunda-feira (1°), o governo italiano eliminou a "renda de cidadania", uma ajuda que beneficiava milhões de pessoas pobres, e a substituiu por um "cheque de inclusão" mais limitado, uma decisão descrita como uma "provocação" pela oposição e por sindicatos.

O Executivo ultraconservador liderado por Giorgia Meloni também votou para flexibilizar a contratação de empregados com prazo limitado e para isentar das contribuições patronais por um ano as empresas que contratarem um beneficiário do "cheque de inclusão", com carteira assinada ou aprendiz.

O objetivo declarado por Meloni é estimular o emprego e incentivar os jovens a encontrarem trabalho na terceira maior economia da zona do euro, onde a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos (de 22,4%, em fevereiro) é quase três vezes maior do que a média nacional (8%).

Para os defensores da "renda de cidadania", a medida é um amortecedor social que provou seu valor nas regiões do sul do país atingidas pela precariedade, enquanto, para o governo, a medida é cara (€ 8 bilhões em 2022) e mantém seus beneficiários fora do mercado de trabalho.

Menos 1 milhão de pessoas na pobreza

O gabinete de Giorgia Meloni não publicou o texto final, mas suas linhas gerais vazaram para a imprensa. A partir de 1º de janeiro de 2024, a "renda de cidadania" será substituída por um "cheque de inclusão" a um custo de € 5,4 bilhões por ano.

Enquanto a "renda de cidadania" era destinada a qualquer pessoa com renda muito baixa - incluindo jovens - o "cheque de inclusão" será reservado para famílias com pessoas com deficiência, menores de idade ou pessoas com mais de 60 anos.

"Estamos reformando a renda de cidadania para fazer a diferença entre aqueles que podem trabalhar e aqueles que não podem", justificou Meloni.

De acordo com o Instituto Italiano de Estatística (Istat), a "renda de cidadania", introduzida em 2019 pelo "governo Cinco Estrelas" de Giuseppe Conte, tirou 1 milhão de pessoas da pobreza, embora cerca de metade dos pobres não a receba, seja porque não são elegíveis (menos de 10 anos de residência no território), seja porque não a solicitaram.

Em 2022, esta renda beneficiou 1,6 milhão de famílias, o que representa quase 4 milhões de pessoas, principalmente no sul do país, com um benefício médio de €550, de acordo com a agência de seguridade social INPS.

Falando grosso com italianos e fino com europeus

Seis meses depois de chegar ao poder como chefe do governo mais direitista da Itália do pós-guerra, Giorgia Meloni tem sido firme na frente doméstica, ao mesmo tempo em que toma cuidado para não incomodar Bruxelas e seus vizinhos europeus.

A vitória de seu partido pós-fascista Fratelli d'Italia nas eleições parlamentares de setembro causou um choque na União Europeia.

Meloni assumiu o cargo em 23 de outubro, no comando de uma coalizão que inclui a Liga antimigrante do líder populista Matteo Salvini e o partido conservador Forza Italia, de Silvio Berlusconi, que está em declínio.

Na frente econômica, no entanto, Meloni tem sido muito ortodoxa, prometendo reduzir a enorme dívida pública e o déficit, gastando bilhões para ajudar os italianos a lidar com a inflação crescente e planejando cortes de impostos.

A autodenominada "mãe cristã" também atenuou sua retórica mais divisiva e procurou projetar uma imagem de estabilidade no cenário internacional, apoiando fortemente a Ucrânia diante da invasão russa.

Os políticos dizem que, embora ela tenha defendido posições extremistas para chegar ao poder, ela precisa ampliar seu apoio, se quiser perdurar.

"Ela se moveu economicamente para o centro muito, muito rapidamente (...) para ampliar seu público além do eleitorado de direita radical", diz Daniele Albertazzi, professor de ciência política da Universidade de Surrey, na Grã-Bretanha. 

"Não sou um monstro"

Para os italianos que não querem um governo de esquerda, "ela diz: 'Eu não sou um monstro'. Eu não virei a mesa", observa o professor.

Até o momento, a popularidade de Meloni não diminuiu, pelo contrário: de acordo com a última pesquisa do instituto YouTrend, a Fratelli d'Italia tem 28,6% das intenções de voto, em comparação com 26% nas eleições de setembro.

No cenário político nacional, a coalizão implementou rapidamente suas promessas eleitorais. Um primeiro decreto sobre migrantes dificultou as atividades das ONGs que organizam operações de resgate no Mediterrâneo, e Meloni agora quer eliminar uma condiçéao de proteção especial para migrantes sem status de refugiado.

Medidas que, para seus oponentes, poderiam causar mortes e privar as pessoas vulneráveis de seus direitos básicos.

Cerca de 35 mil pessoas chegaram à Itália desde o início do ano, quatro vezes mais do que em 2021 e 2022 no mesmo período. O ministro da Agricultura, Francesco Lollobrigida, cunhado de Meloni, causou furor na terça-feira (25) quando alertou sobre a "substituição étnica" dos italianos por migrantes.

Outro dos cavalos de batalha de Giorgia Meloni é a luta contra "o lobby LGBT". A coalizão já proibiu as prefeituras de registrar os filhos de casais do mesmo sexo na ausência de regulamentações nacionais.

Essa decisão deixou milhares de famílias em um limbo jurídico, o que causou grande consternação entre os parlamentares europeus que temem novos ataques à comunidade LGBT+ na Itália.

(Com informações da AFP)