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Novo presidente do Paraguai terá de negociar com Lula preço da energia elétrica

01/05/2023 08h07

Nada muda no Paraguai. O conservador Santiago Peña, de 44 anos, será o presidente pelos próximos cinco anos, confirmando a hegemonia do Partido Colorado, que está no poder há mais de 70 anos. O partido conseguiu maioria no Senado, na Câmara de Deputados e 15 dos 17 governadores. A primeira tarefa internacional do novo presidente será negociar com Lula o preço da energia elétrica gerada por Itaipu, determinando se os consumidores brasileiros terão aumento ou redução na conta de luz.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

 

A vitória de Santiago Peña significa continuidade para o Paraguai. Com exceção dos quatro anos do ex-presidente Fernando Lugo (2008-2012), o Partido Colorado, desde 1947 no poder, venceu sete das oito eleições no período democrático. O conservador obteve 42,7% dos votos válidos, mas se fosse como nos outros países da região, o Paraguai entraria agora num incerto segundo turno. Entretanto, o sistema paraguaio só prevê um turno.

Já o liberal Efrain Alegre ficou com 27,5% dos votos e o candidato antissistema, Paraguayo Cubas, chegou a 22,9%. Isso significa que, se os dois principais opositores estivessem unidos, teriam obtido 50,4% dos votos.

"Fizemos todos o esforço para conseguir uma mudança, mas o resultado assinala que esse esforço talvez não tenha sido suficiente porque, embora a maioria do povo paraguaio tenha votado numa mudança, a divisão fez com que não possamos chegar ao objetivo de uma mudança, como nos pede essa maioria dos paraguaios", refletiu Efraín Alegre, na porta da sua casa, ao reconhecer a derrota.

Do outro lado, ciente de que os opositores são maioria, o eleito Santiago Peña pediu a união de todos os paraguaios, apelando ao sentimento patriótico.

"Aos que acreditaram em outros projetos, digo-lhes que, para além das cores partidárias, somos filhos de uma mesma mãe: a pátria paraguaia. Convoco a união e o consenso para atingir o nosso destino de bem-estar coletivo e de prosperidade sem exclusões. Antes de tudo e sobretudo, somos paraguaios", conclamou Peña no seu discurso de vitória.

Ao conseguir maioria na Câmara de Deputados e no Senado, o presidente eleito evita o risco de um "impeachment" durante o seu mandato. 

Para o mundo, as mudanças são poucas: no próximo mandato, o Paraguai deve voltar a ter relações com a Venezuela. O atual governo do presidente, Mario Abdo, não reconhece a legitimidade de Nicolás Maduro. Com Santiago Peña, o Paraguai continuará como o único país na América do Sul a reconhecer Taiwan, mesmo que isso signifique perder o mercado chinês para as exportações agropecuárias. A Embaixada de Taiwan respirou aliviada diante do risco de perder um dos 13 países que ainda resistem à pressão da China.

"Parabéns ao povo paraguaio que mostra ao mundo o poder democrático dos cidadãos através do voto. Continuaremos a trabalhar nesta relação frutífera de parceiros de prosperidade", publicou a Embaixada nas redes sociais.

Peña no governo; Cartes no poder

Santiago Peña é um economista liberal, formado na Universidade Católica de Assunção e na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Integrava a diretoria de um banco que pertence ao ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), quem o tornou ministro da Fazenda. Cartes é o padrinho político de Santiago Peña e o presidente eleito responde diretamente ao ex-presidente. A lógica é Santiago Peña no governo e Horacio Cartes no poder nos bastidores.

"Sem Horacio Cartes, Santi Peña não é ninguém no Partido Colorado. Ele é basicamente um empregado de Horacio Cartes. Literalmente empregado porque trabalhava no banco de Cartes. E não tem nenhum tipo de autonomia. Essa é a sua fraqueza", explica à RFI o analista político paraguaio, Alfredo Boccia.

"Será muito difícil para Peña governar com autonomia porque ele não é um líder natural e nem tem a simpatia da metade do seu partido", reforça a historiadora Milda Rivarola, em entrevista à RFI.

Colisão com os Estados Unidos

A sombra de Cartes sobre Peña põe o próximo governo em rota de colisão com os Estados Unidos. O Departamento de Estado norte-americano classificou Horacio Cartes como "significativamente corrupto" e o Departamento do Tesouro aplicou-lhe sanções econômicas. O próximo passo seria do Departamento de Justiça com um pedido de extradição.

"Logicamente, Horacio Cartes está desesperado com a possibilidade de ser extraditado aos Estados Unidos. Essa é uma ameaça e uma maneira de se proteger. Todos nós temos a certeza de que a Corte Suprema de Justiça, responsável por conceder a extradição, não se oporá a um pedido dos Estados Unidos. Os ministros da Corte são mais independentes e o Paraguai não tem força para se opor aos Estados Unidos", reflete Alfredo Boccia.

O outro embate será com o Brasil em torno da tarifa da energia de Itaipu. O presidente Lula desejou boa sorte a Santiago Peña e manifestou o desejo de trabalharem juntos.

"Boa sorte no seu mandato. Vamos trabalhar juntos por relações cada vez melhores e mais fortes entre nossos países, e por uma América do Sul com mais união, desenvolvimento e prosperidade", desejou Lula ao presidente eleito.

Brasil e Paraguai discutirão preço da energia

Brasil e Paraguai terão de definir o preço da energia elétrica gerada pela binacional Itaipu. Essa negociação terá impacto direto na conta de luz dos brasileiros que moram nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste. O Paraguai quer aumentar o máximo possível. No sentido contrário, o Brasil quer diminuir. 

"Essa discussão será a primeira tarefa do próximo governo porque o tratado venceu agora (26 de abril). O Brasil já tomou a decisão de baixar o custo da energia porque o Paraguai já pagou toda a dívida. Isso prejudica o Paraguai porque a maior parte do excedente é vendido ao Brasil. Acho que essa é uma batalha perdida para o Paraguai", considera a analista paraguaia Milda Rivarola.

Nesse ponto, a vitória de Santiago Peña tende a ser positiva para o Brasil. Historicamente, os políticos do Partido Colorado costumam ser pró-Brasil e são menos rigorosos quando negociam com o país.

Os paraguaios também preferem negociar com Lula. Isso porque em 2009, no segundo mandato do presidente, o então presidente paraguaio, Fernando Lugo, conseguiu que Lula triplicasse o custo da energia para os brasileiros. Santiago Peña, por exemplo, disse que "está otimista" com a perspectiva de negociar com o presidente brasileiro.

Espera de 50 anos

Em fevereiro, depois de 50 anos, o Paraguai quitou a dívida com o Brasil pela construção da represa, que era responsável por 60% do preço pelo kilowatt. Portanto, pela lógica, o preço agora deveria baixar sensivelmente.

No dia 26 de abril, o tratado para construção de Itaipu completou 50 anos e segundo o documento, quando a dívida fosse quitada, Brasil e Paraguai poderiam rever o preço da energia.

Toda a energia produzida pela hidrelétrica é dividida em porções iguais entre os dois países. Porém, o Paraguai não consome toda a sua parte e vende a maioria ao Brasil.

O Paraguai tem interesse em aumentar ao máximo a tarifa por dois motivos: porque vai vender mais caro ao Brasil e porque esse dinheiro gerado é usado como caixa para obras, para assistência social, mas também para a política.

O Brasil quer diminuir a tarifa de energia, mas não totalmente. Também quer usar o dinheiro de Itaipu para obras no estado do Paraná numa espécie de caixa público paralelo.

"Provavelmente, Itaipu seja o assunto mais importante da agenda com o Brasil. Esse tratado precisa ser renegociado. Sempre é negociado com muito pouco patriotismo, com pouca firmeza por parte dos colorados. Os colorados são mais fáceis de lidar com o Brasil", avalia Alfredo Boccia.

Segundo estudos, o kilowatt poderia custar 10 dólares. O governo Bolsonaro tinha reduzido para 12,67 dólares. O Paraguai queria 20,75 dólares. Provisoriamente, o atual governo Lula fechou na metade entre esses dois valores: 16,71 dólares. O preço definitivo virá da negociação a partir de 15 de agosto, quando Santiago Peña assumir o cargo.

Desafios sociais do novo governo

Os desafios sociais de Santiago Peña passam pelos combates à pobreza, à desigualdade, à corrupção e à violência contra o crime organizado. Esses quatro pontos, aliás, estão interligados. Para combater o crime organizado, o novo governo precisará agir com o Brasil. Criminosos do tráfico de drogas atravessaram a fronteira paraguaia para controlar a rota da cocaína.

"Toda essa criminalidade na zona de fronteira: tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, contrabando de armas, matadores de aluguel vão precisar ser combatidas com a colaboração do Brasil", prevê Rivarola.

"Também temos todo o Comando Vermelho e o PCC representando o crime organizado no nosso país. Nesse sentido, o Paraguai é como mais um estado anárquico do Brasil. O Paraguai se tornou um refúgio do pior do Brasil. Estamos vendo assassinos contratados e violência narco em Assunção, algo que antes só víamos nas cidades de fronteira", descreve Boccia.

O Índice de Percepção da Corrupção da ONG Transparência Internacional coloca o Paraguai como o segundo país com mais corrupção da América do Sul, apenas atrás da Venezuela.

Quanto à pobreza e à desigualdade, o desafio é fazer com que o crescimento econômico do Paraguai chegue à população. A economia paraguaia cresceu, em média, 4,4% entre 2003 e 2018, graças às exportações de carne, soja e milho. E, mesmo impactada pela pandemia, a economia cresceu 0,7% entre 2019 e 2022.

"Precisamos de um novo modelo econômico que gere empregos de qualidade e arrecadações tributárias que financiem as políticas para melhorar as condições de vida. Precisamos deixar para trás um modelo extrativista de pouco valor acrescido e pouco diversificado, mas a continuidade do Partido Colorado não implica nenhuma mudança positiva. Pelo contrário, aprofunda os problemas. Como não há um castigo nas urnas, os políticos apostam em manter o status quo, mantendo a população empobrecida e dependente, econômica e politicamente", analisa a economista Verónica Serafini em entrevista à RFI.

Segundo o Banco Mundial, a previsão de crescimento econômico para este ano é de 5,2%, o maior crescimento previsto para um país da América Latina. A inflação prevista é de 4,7%. O Paraguai tem recursos de sobra em pontos estratégicos como energia, água e alimentos. No entanto, a pobreza atinge 27% dos paraguaios. Apenas 1,6% da população é dona de 80% do território.