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Negociação de pacto global contra poluição de plásticos volta a opor países ricos e em desenvolvimento

31/05/2023 15h41

A elaboração de um tratado internacional da ONU para limitar a poluição dos plásticos esbarra na resistência de grandes produtores de petróleo e dos maiores consumidores do material, como os Estados Unidos. A segunda rodada de negociações do texto acontece em Paris e evidencia o tamanho do desafio para substituir os plásticos, baratos para a indústria e fonte de renda nos países em desenvolvimento, por alternativas menos prejudiciais ao meio ambiente.

Lúcia Müzell, da RFI

Em 2022, 175 países concordaram em iniciar a redação de um acordo juridicamente vinculativo sobre o tema até 2024. A primeira etapa ocorreu no Uruguai, e agora a França sedia o segundo de cinco encontros previstos até a finalização de um texto.

A anfitriã, que planeja banir os plásticos descartáveis até 2040, quer fazer da cúpula uma vitrine para seus avanços e da União Europeia. Se restrições não forem adotadas em nível mundial, a tendência é que a produção anual deste derivado do petróleo siga em alta, num contexto em que apenas 9% do produto é reciclada. Sem controle, os plásticos poluem o meio ambiente, vão parar nos oceanos, são ingeridos pelos animais e já são detectados até no sangue humano. Além disso, servem de estímulo para a continuidade da exploração petrolífera, uma das maiores geradoras dos gases de efeito estufa que aquecem o planeta e provocam as mudanças climáticas.

Mesmo assim, já no começo das reuniões, na segunda-feira (29), as discussões estiveram bloqueadas por dois dias por divergências quanto ao procedimento a ser adotado: um grupo de países, entre eles as potências emergentes China, Rússia e Brasil, e a maioria dos produtores de petróleo no Golfo, como Arábia Saudita, querem que o futuro tratado seja aprovado por consenso, e não por voto de maioria de dois terços, como desejam os países europeus.

"Nós queremos um acordo global que seja ambicioso, vinculante, que tenha metas da redução da poluição global. Tem toda a contribuição histórica que precisa ser lidada: os países que contribuíram mais têm uma parcela maior para ajudar a combater esse problema", salienta o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf, que lidera a delegação do Brasil no evento.

"O Brasil sempre teve um papel importante nessas negociações porque não é um país rico - que quase sempre estão liderando a ambição dessas agendas e puxando a régua para cima -, mas também não somos um país pobre, que normalmente não quer avançar se não tiver recursos. Fazemos um papel de intermediação e negociação como a gente acabou de fazer aqui, para buscar o consenso possível. Não adianta ter a metade dos países dentro e todos os produtores fora", explica.

Temor de ONGs

Mas as organizações ambientalistas advertem que a necessidade de consenso obrigaria o texto a acomodar os interesses dos países produtores de petróleo e plásticos, resultando em um acordo pouco eficaz para limitar a poluição. Ana Rocha, diretora do programa de plásticos da coalizão de organizações Gaia (Global Alliance for Incinerator Alternatives), pela redução de resíduos, diz que se surpreendeu com a atuação do Brasil nos primeiros dias da reunião, que se encerra nesta sexta (2).

"Ter a possibilidade de voto, no regulamento da ONU, faz com que um país com posição radical seja obrigado a negociar. Se ele pode simplesmente dizer não - que é o que ocorre quando a aprovação é apenas por consenso -, ele basicamente tem poder de veto", observa. "Se você dá esse poder a todos os países, a possibilidade de se conseguir um acordo que seja minimamente ambicioso é praticamente nula", lamenta.

Com mediação do Brasil, os países concordaram em trabalhar em busca de um consenso, mas a decisão final sobre o procedimento ficará para outro momento. Assim, as discussões sobre o foco da cúpula - o rascunho do acordo - puderam enfim se iniciar, na tarde desta quarta-feira (31).

Futuro dos catadores de lixo

O secretário ressalta que, na visão do governo brasileiro, o tratado deve incluir soluções para a cadeia que depende da reciclagem do lixo nos países em desenvolvimento, em especial os catadores. O Brasil, com o apoio de países africanos, pressiona para que o texto inclua mecanismos de transição para a redução dos plásticos, inclusive financiamento, para viabilizar a inserção socioeconômica das milhões de pessoas que sobrevivem graças ao setor.

"O mundo desenvolvido não tem na reciclagem os mesmos desafios sociais e ambientais que nós temos. Por isso que, neste início de negociação, o Brasil foca muito em trazer as cooperativas de catadores para o centro do acordo", argumenta Maluf. "Ele não é apenas um acordo ambiental: ele é um acordo de desenvolvimento sustentável."

Mundo de olho no Brasil

No exterior, os outros países observam o posicionamento do Brasil, que visa retomar o protagonismo histórico que tinha na área ambiental - perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. A negociação em Paris ocorre num momento delicado para Brasília, em que a política ambiental é posta à prova com os questionamentos sobre a exploração das reservas de petróleo na Foz do Amazonas e o esvaziamento dos poderes dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, orquestrado pelo Congresso.

A pressão deve aumentar agora que a ONU confirmou a realização da Conferência do Clima de 2025 (COP30) em Belém do Pará.

"Essa posição do Brasil aqui se tornou uma decepção porque parece que, de várias maneiras, a pauta ambiental está meio caindo pelos lados. Eu acho que o problema aqui não é o Ministério do Meio Ambiente, mas sim é uma questão de equilíbrio do poder dentro do governo", analisa Ana Rocha. "A gente está aqui com qual chapéu: o do meio ambiente ou o da produção?", questiona.