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Ricardo Tokugawa resgata raízes okinawanas em fotos que refletem sobre tradição e transmissão

23/06/2023 12h13

Ricardo Tokugawa é o autor do livro de fotografias "Utaki", da editora brasileira Lovely House, lançado em 2021. Realizado em plena pandemia, ele contou com a colaboração dos pais e da avó como personagens de suas próprias histórias. O artista traça um imaginário sobre Okinawa, tradições, influências brasileiras e japonesas, transmissão e família.

Patrícia Moribe, de Paris

Ao marcarmos a entrevista, Ricardo Tokugawa lembra que ela acontece na semana da comemoração dos 115 anos da imigração japonesa e okinawana. "Geralmente a imigração japonesa é tratada só como imigração japonesa, sendo que o navio Kasato Maru chegou em 1908, com 781 imigrantes, no porto de Santos, em São Paulo, dos quais 325 eram da província de Okinawa. Mas isso não era discutido na época", explica.

"Acredito que houve um apagamento, pois Okinawa foi anexada pelo Japão em 1879, gerando um apagamento da cultura, porque Okinawa tem uma língua e cultura própria", avalia o fotógrafo. "Com essa anexação, teve a proibição dessas práticas e com isso também, por mais que teve esse apagamento, toda essa cultura foi com os imigrantes para o Brasil",

Uma característica importante da cultura okinawana, aponta Ricardo, é o culto aos antepassados, cujos nomes figuram em um pequeno altar na casa, além de cerimônias específicas. "E tudo isso era praticado durante a minha infância, durante a minha adolescência. Só que eu não entendia o que era aquilo muito bem, simplesmente era alguma coisa que era praticado. E tudo isso é passado de boca a boca, de gerações e gerações. Então, não tem um livro que explica como tudo isso é praticado".

Com o passar do tempo, Tokugawa foi reconhecendo as especificidades da cultura okinawana e das diferenças com a cultura japonesa. E das influências de onde tudo se passa, ou seja, o Brasil. Daí surgiu o livro de fotografias "Utaki", que em okinawano é um lugar sagrado, de oração, geralmente em espaços ermos da natureza, como um bosque, caverna ou montanha. O artista estudou sobre a região de onde vieram seus ancestrais e fez cursos a respeito.

Ao olhar para o "utaki", Ricardo faz um trabalho de busca pessoal através de imagens, trabalhando com tradições sendo transmitidas e transformadas. O lockdown da Covid fez com que ele voltasse para a casa dos pais e da avó e essa reclusão favoreceu momentos orgânicos de criatividade. A doença do pai, diagnosticado com linfoma nesse período não se tornou um dado protagonista, mas coadjuvante do relato familiar.

O engenheiro que virou fotógrafo

Resgatar as raízes okinawanas resultou também em uma guinada de carreira: de engenheiro formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da USP em 2008, Ricardo resolveu adotar a paixão pela fotografia em 2017, quando veio para a França e seguiu um curso de dois anos.

Após o curso intensivo, Ricardo fez treinamento na Magnum, agência mítica e uma das mais importantes do mundo. Ele trabalhou na organização dos arquivos do fotógrafo franco-russo Gueorgui Pinkhassov antes da entrada deste na Magnum. "Foi uma experiência muito enriquecedora. Primeiro, porque não tem nada a ver com o meu projeto pessoal e toda foto em si, depois que ela é feita, existe um contexto por trás que é importante e todo o pensamento agregado na imagem pelo fotógrafo".

Sobre um próximo projeto, ele pensa em trabalhar em cima do próprio sobrenome, Tokugawa, que batiza uma era muito importante da história medieval japonesa. "Foi uma época de ditadura militar, com muitas atrocidades, não sei se tenho muito orgulho de ter esse sobrenome nesse sentido", reflete Ricardo.