A Armênia renunciará à aliança com a Rússia para fortalecer a relação com a Europa?

A questão vem à tona após a ofensiva que resultou na perda do território de Nagorno-Karabakh. Em Yerevan, na capital da Armênia, a hostilidade contra os russos têm aumentado, explica  Daniel Vallot, enviado especial da RFI à região.

Daniel Vallot, enviado especial da RFI a Yerevan e Tegh

Desde a ofensiva do Azerbaijão em 20 de setembro, que levou os separatistas de Nagorno-Karabakh a entregarem as armas, a população do país tem questionado a aliança com a Rússia.

A passividade de Moscou durante o recente ataque militar do Azerbaijão, que deixou cerca de 600 mortos, é vista como uma traição? "Os russos dizem que são nossos amigos e querem nos proteger, mas é o contrário. Eles não fazem nada pela gente", acusa Ani, moradora de Yerevan. "Quando mais cedo a gente se livrar deles, melhor."

Mas, renunciar à aliança com a Rússia pode trazer riscos para a Armênia, diz um comerciante da capital. "É verdade, não é um aliado confiável. Porém, em caso de ruptura com o país, os russos  vão interromper as relações comerciais e vão cortar o gás, pouco antes do inverno. E para quem vamos pedir gás, para o Azerbaijão?", questiona.

"Ninguém vai nos ajudar, certeza! Nikol Pachinian, nosso primeiro-ministro, pode se afastar da Rússia para se aliar aos ocidentais, mas isso não mudará nada. Os americanos e os europeus são bons na hora de fazer discursos, mas na prática, não fazem nada", diz Samvel Galstyan, morador de Tegh.

Para os opositores do primeiro-ministro Nikol Pachinian, a pouca reatividade da Rússia aos ataques do Azerbaijão está justamente relacionada ao afastamento entre Moscou e o governo armênio. A postura do governo russo durante o conflito levou inúmeros armênios a mudar de ideia sobre o aliado, considerado até agora como indispensável para a manutenção da segurança no país.

Na Armênia, o fluxo de refugiados de Nagorno-Karabakh cresceu e, de acordo com os últimos dados, cerca de 100 mil habitantes já deixaram o território para se refugiar do outro lado da fronteira. A população agora teme que Baku lance uma nova ofensiva para conquistar os territórios situados no sudeste do país.

Europa deve agir, diz especialista

Na semana passada, os separatistas anunciaram que a república autoproclamada de Nagorno-Karabakh deixará de existir em 1º de janeiro de 2024. 

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Os líderes separatistas armênios de Nagorno-Karabakh prometeram nesta segunda-feira (2) que permanecerão no território até a conclusão das operações de ajuda às vítimas do conflito e da fuga em massa dos moradores.

O presidente, Samvel Shahramanian, "permanecerá em Stepanakert ao lado de um grupo de funcionários de alto escalão até o fim das operações de busca dos mortos e das pessoas desaparecidas nas operações militares" e de assistência após a explosão de um depósito de combustíveis, anunciou a autoridade da república autoproclamada.

"Em termos de direito internacional, essa república, autoproclamada em 1992 pelos armênios do Nagorno-Karabakh nunca foi reconhecida pela Rússia ou Armênia", explicou em entrevista à RFI Marie Mendras, especialista da Rússia e professora da universidade Sciences Po.

"Karabakh continua sob controle do Azerbaijão e faz parte do Estado. E isso é que torna a questão complicada para os juristas, o governo e as organizações internacionais. Mas, é inadmissível que as democracias ocidentais, e sobretudo a França, não reajam de maneira mais clara e determinada."

De acordo com ela, desde 1994, após uma guerra que durou cerca de dois anos depois do fim da ex-União Soviética, os países ocidentais "deixaram" que a situação se deteriorasse em uma área não-regulamentada, o que tornou os armênios de Karabakh "extremamente vulneráveis" e dependentes do apoio militar russo. "A Armênia sempre foi uma aliada militar próxima da Rússia", reitera.

De acordo com a cientista política, a França e a Europa deveriam se envolver mais no conflito, já que há anos os russos têm deixado de ajudar os armênios. "Faz três anos que o Nagorno-Harabakh não existe mais em termos de comunidade política e de maneira independente, e isso sem reação da Europa. por uma razão muito simples: não sabemos como obter o que quer que seja do Kremlin", explica.

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"Não haverá mais nenhum armênio em um território histórico da Armênia dentro de alguns dias. Quando Moscou diz que os armênios poderão ficar na região sob controle do Azerbaijão, é totalmente falso", afirma.

Missão da ONU chega a Karabakh 

Uma missão da ONU chegou neste domingo (1) a Nagorno-Karabakh, a primeira em três décadas, informou o Azerbaijão, depois que quase toda a população armênia do enclave fugiu da região após a ofensiva relâmpago vitoriosa de Baku.

Esta é a primeira vez em 30 anos que a organização internacional tem acesso à região, controlada por separatistas armênios até sua rendição em 20 de setembro.

Nazeli Baghdasarian, porta-voz do primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan, informou que o governo contabilizou a entrada de 100.483 deslocados até o momento.

Mais de 47.300 refugiados estão em abrigos temporários. O fluxo ininterrupto  reavivou as denúncias da Armênia de "limpeza étnica", o que o Azerbaijão nega, depois que pediu aos armênios que continuassem em Nagorno-Karabakh e insistiu que seus direitos seriam respeitados.

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Nagorno-Karabakh, de maioria armênia e cristã, proclamou divisão do Azerbaijão, de maioria muçulmana, durante a queda da União Soviética.

Desde então, os armênios do território, que receberam o apoio de Yerevan, enfrentaram o governo do Azerbaijão com duas guerras em três décadas: a primeira entre 1988 e 1994 e a segunda no fim de 2020, quando os separatistas perderam boa parte do território.

Neste domingo, o posto de fronteira no corredor de Lachin, a única rodovia que liga os dois territórios, estava deserto.

A presidência do Azerbaijão anunciou que abriu um serviço de migração em Khankendi, a principal cidade do território (Stepanakert, em armênio) para registar os habitantes que decidiram permanecer e garantir sua "reinserção duradoura" na sociedade azerbaijana. O presidente do Azerbaijão e o primeiro-ministro da Armênia se reunirão na quinta-feira (5) na cidade espanhola de Granada.

(RFI e AFP)

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