Campanha eleitoral argentina será "marcada por incertezas", após vitória de Massa no 1º turno

Para surpresa da própria militância, Sergio Massa venceu o primeiro turno, superando o ultraliberal Javier Milei. Os analistas preveem que a campanha eleitoral até o próximo 19 de novembro será marcada por várias incertezas, inclusive econômicas. Massa vai pedir votos a todos os eleitores que temem a personalidade instável de Javier Milei e as suas propostas polêmicas.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Javier Milei vai apelar aos que temem a continuidade do Peronismo e, sobretudo, do kirchnerismo, aliado de Sergio Massa. No meio dessa "guerra de temores", há ainda o medo do mercado financeiro com a política econômica dos dois candidatos.

O final dessa disputa é incerta. Com 98,5% das urnas apuradas, Sergio Massa vence com 36,7% dos votos válidos, pouco menos de sete pontos acima de Javier Milei, com 30%.

A maior derrotada foi Patricia Bullrich que ficou com 23,8%, e pertence à maior coalizão opositora, Juntos pela Mudança". No começo da campanha, ela era a grande favorita, mas terminou na maior decepção política, perdendo seis pontos.

Sergio Massa tinha tudo para perder: é ministro da Economia de um país à beira da hiperinflação e tem aliado políticos que, nas últimas semanas, foram rodeados de escândalos de corrupção.

No entanto, ganhou com 16 pontos de vantagem na província de Buenos Aires, onde se concentra 39% dos eleitores do país. Também recuperou 6 das 16 províncias nas que tinha perdido nas primárias em 13 de agosto.

A extrema-direita de Javier Milei ficou estagnada. Não diminuiu, mas também não cresceu em quantidade de votos e perdeu seis províncias onde tinha ganho.

Nenhuma pesquisa apontava Sergio Massa como vencedor. Javier Milei, que pretendia ganhar no primeiro turno, acabou em segundo lugar, quando todas as sondagens apontavam a sua liderança.

Continua após a publicidade

O analista político, Carlos Fara, diz que o medo de Javier Milei foi maior do que em relação a Sergio Massa. A sociedade votou assustada, mas esse susto foi maior com o desconhecido.

Polarização

Uma disputa entre Sergio Massa e Javier Milei era tudo o que os dois queriam. Ao longo da campanha, um procurou polarizar com o outro.

Para Milei, "polarizar" com Massa é uma vantagem porque mantém a disputa contra o 'kirchnerismo', aliado de Massa. A maior parte da sociedade argentina é contra a corrente política liderada pela vice-presidente Cristina Kirchner. Milei explora o medo da sociedade de continuar governado pelo kirchnerismo.

Já Massa explora o medo dos eleitores a algo desconhecido que pode ser ainda mais radical do que o kirchnerismo. Para a analista em opinião pública, Shila Vilker, o medo será a tônica que vai marcar as próximas semanas de campanha.

A derrotada Patricia Bullrich deu sinais de que entre Javier Milei e Sergio Massa, prefere Javier Milei. Patricia Bullrich disse que não daria os parabéns a quem faz parte do pior governo da Argentina, em alusão ao ministro Sergio Massa. Disse também que o país "precisa terminar com o populismo", em outra alusão a Sergio Massa e ao kirchnerismo.

Continua após a publicidade

Tanto Javier Milei quanto Sergio Massa esperam obter seu apoio. Milei chegou a acusar Bullrich de "guerrilheira assassina" durante a campanha. Disse agora que "dá por terminado o processo de agressões e ataques" e que "está disposto a passar uma borracha e começar de novo para terminar com o kirchnerismo".

Usou várias vezes a expressão "trabalhar juntos para terminar com o kirchnerismo".Sergio Massa preferiu apontar aos eleitores da coalizão de Patricia Bullrich, especialmente aos eleitores do partido União Cívica Radical, que integra a coalizão e que não se sente confortável de votar na extrema-direita.

Massa disse que vai fazer todo o esforço para ganhar a confiança desses eleitores e que vai convocar a um governo de união nacional. A derrota da coalizão Juntos pela Mudança é um duro golpe para a oposição ao Peronismo.

Essa coalizão se preparava para ter maioria no Congresso e aprovar reformas estruturais, mas acabou perdendo 25 deputados e 9 senadores.

Javier Milei ganhou 34 deputados e 8 senadores. Como essas bancadas, Milei não vai conseguir aprovar nenhuma reforma nem nenhuma das suas políticas mais radicais como acabar com o Banco Central e dolarizar a economia.

Milei vai precisar sempre dos votos de Juntos pela Mudança que é um fator de equilíbrio no Congresso. Nenhuma força terá maioria no Parlamento.

Continua após a publicidade

Kirchner foi a vencedora silenciosa

O Peronismo, especialmente o kirchnerismo, eram conscientes de que perderiam muito poder no Parlamento. O objetivo dessa força política era o de ficar com um mínimo legisladores para poder bloquear ou incidir nas novas iniciativas da oposição.

Mas o resultado foi bem melhor.O Peronismo perdeu apenas 10 deputados dos 68 que renovava e ganhou dois senadores.

A grande vencedora silenciosa destas eleições foi Cristina Kirchner. Sem ser candidata, conseguiu reeleger o seu candidato a governador na província de Buenos Aires, Axel Kiciloff, fez vários prefeitos em municípios importantes e vários legisladores na província mais importante do país. Cristina Kirchner conseguiu um refúgio político para aguentar os próximos anos.

Expectativa dos mercados

Nos mercados, também vai incidir o medo dos agentes econômicos com as políticas tanto de Sergio Massa quanto de Javier Milei. Os agentes preferiam Patricia Bullrich, não gostam de Sergio Massa e desconfiam de Javier Milei.

Continua após a publicidade

Sergio Massa deve continuar a emitir dinheiro sem respaldo de forma descontrolada. A distribuição de dinheiro através de subsídios, planos sociais, ajudas assistencialistas, aumentos salariais e redução de impostos é um dos principais elementos para explicar a vitória de Sergio Massa.

O problema de distribuir dinheiro é a aceleração inflacionária. Para ganhar as eleições, Sergio Massa corre o risco de conduzir o país à hiperinflação.Por outro lado, mantém o valor do dólar artificialmente congelado, mesmo que isso implique impedir importações, bloquear pagamentos ao exterior e quebrar o Banco Central.

Os analistas econômicos preveem uma tensão entre essa política expansiva e a promessa de dolarização de Javier Milei. O dólar paralelo vai continuar em aumento, levando turbulência ao mercado. 

Para Milei, essa incerteza econômica e a sensação de caos financeiro nos eleitores é um excelente cabo eleitoral e favorece o plano de dolarização da economia. Vamos ver esse cenário a partir de hoje no mercado financeiro.

Deixe seu comentário

Só para assinantes