Apesar de vitória do "sim" no referendo sobre Essequibo, governo venezuelano segue sem apoio popular

Mais de 95% dos eleitores participaram neste domingo (4) do referendo sobre a soberania venezuelana do Essequibo, um território rico em petróleo e recursos naturais sob controle da Guiana. A votação, que deu vitória ao sim, gera tensão na região, já que a Venezuela pretende recuperar a área de mais 130 mil km2 e transformá-la em um dos estados do país. O objetivo é explorar seus recursos: além do petróleo, o Essequibo é rico em gás, ouro, diamante e outros minerais.
 

Eliana de Aragão Jorge, correspondente da RFI na Venezuela

O presidente venezuelano, Nicolas Maduro comemorou o resultado da consulta popular. "Esses são os primeiros passos de uma nova etapa histórica na luta por aquilo que nos pertence", disse o chefe de Estado venezuelano.

De acordo com o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, "houve uma participação histórica que supera 10.554.320 votos". Até o fechamento dessa edição, não havia sido divulgado o número oficial de votantes e a taxa de abstenção, que foi alta.

Na consulta popular, os venezuelanos deveriam marcar sim ou não em cada uma das cinco perguntas sobre a soberania do Essequibo. Em uma mensagem divulgada nas redes sociais, o opositor Henrique Capriles Radonski destacou que "2.110.864 eleitores participaram da consulta. Foram cinco votos por eleitor".    

O referendo deste domingo, se comparado às primárias da oposição realizadas em 22 de outubro deste ano, é uma radiografia do ânimo do eleitor. Para alguns analistas, o objetivo do referendo sobre o Essequibo era avaliar a aceitação popular do atual governo.

De acordo com o analista político John Magdaleno, é provável que os venezuelanos estejam percebendo que o governo "busca algo que vai além de um interesse nacional com a consulta".

Possivelmente, diz, vários setores da população estão rejeitando uma tentativa do governo venezuelano de usar o referendo para "mudar o contexto da eleição presidencial de 2024", como prova a alta taxa de abstenção.

Durante o domingo, várias autoridades do chavismo discursaram em cadeias de rádio e TV exaltando a importância da defesa do Essequibo. Mas o chamado não teve poder de mobilização similar ao ocorrido na última sexta-feira (1°) nos shows e eventos de encerramento da campanha em toda Venezuela.

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Para John Magdaleno, "são várias as causas que podem explicar a elevadíssima abstenção registrada no dia de hoje. A primeira é a grande falta de confiança no Executivo nacional. Com base em pesquisas de opinião pública, há uma crise de legitimidade. Há uma séria crise de confiança e credibilidade nos atores e uma fadiga da opinião pública, não só no tema de confrontação em termos de legitimidade, mas sobretudo em relação a uma situação econômica muito difícil desde 2014".

Medo da guerra

Outra explicação para a abstenção é o receio do povo venezuelano de entrar em confronto direto com a Guiana. "As pessoas têm medo de uma guerra ou algo (parecido) e não estão saindo para votar", diz uma eleitora ouvida pela RFI.

Embora o referendo tenha apenas caráter consultivo e seu resultado não seja considerado pelos organismos internacionais, o governo venezuelano poderia pressionar a comunidade internacional para obter melhores respostas sobre a área em disputa.

A Venezuela alega que teve o território retirado em 1899 na sentença arbitral de Paris, em 1899. A rejeição a essa decisão foi a primeira e mais votada pergunta do referendo, com 97,83% dos votos. 

A segunda, que questiona o "apoio ao Acordo de Genebra de 1966 como o único instrumento jurídico válido para alcançar uma solução prática e satisfatória para a Venezuela e a Guiana em relação à controvérsia sobre o território da Guiana Essequiba", recebeu 98,11% dos votos. Na terceira e quarta questões, a porcentagem dos votos manteve um equilíbrio de 95%.

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Nacionalidade venezuelana

A quinta pergunta da consulta popular foi a que gerou mais controvérsia. Ela propõe dar nacionalidade venezuelana aos habitantes do Essequibo, após a anexação do território ao mapa venezuelano. 

O plano do Executivo venezuelano de estabelecer estruturas e dar documentos venezuelanos à população que vive na área em disputa não é bem visto pelo governo da Guiana.  

Nos últimos dias, as imediações da região do Essequibo foram visitadas pelo presidente da Guiana, Irfaan Ali e pela Força Armada Nacional Bolivariana, que armou na Ilha Anacoco, localizada  no rio Cuyuní, na fronteira Venezuela-Guiana, uma estrutura para monitorar a área.

Neste domingo, enquanto transcorria o referendo, grupos indígenas venezuelanos retiraram a bandeira da Guiana e instalaram a da Venezuela na Serra de Pacaraima, localizada bem perto da fronteira com o Brasil.

A briga histórica entre Venezuela e Guiana tem preocupado Brasília. Caso a Venezuela queira invadir o Essequibo, área de selva fechada, uma das opções seria por mar. A outra seria por terra, mas antes a tropa venezuelana teria que cruzar a fronteira com o Brasil para, então, entrar em terras da Guiana.

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Na última semana o Exército brasileiro colocou cerca de 130 militares para monitorar a fronteira venezuelana.

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