Brasil busca reaproximação tardia com a África, cortejada por outras potências emergentes

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, realiza a partir desta quarta (14) a segunda visita à África em um intervalo de apenas seis meses, em busca de uma maior aproximação com o continente africano - uma cooperação que, apesar dos laços históricos que unem os dois lados, até hoje não decolou como poderia. As viagens ao Egito e à Etiópia têm foco mais político, mas também buscam ampliar parcerias comerciais com os dois novos membros do Brics e fomentar novas oportunidades com a União Africana.

O Egito, segunda maior economia do continente, é o principal parceiro comercial do Brasil na região. Já na Etiópia, Lula foi convidado a participar da cúpula do bloco africano, do qual fazem parte 54 nações e cuja sede fica em Adis Abeba, capital etíope. O grupo acaba de entrar no G20, do qual o Brasil exerce a presidência este ano.

Nos três dias em que estará no país, o presidente ainda terá uma série de reuniões bilaterais com outros líderes africanos - uma ocasião para promover novos acordos e parcerias.

"Isso é estratégico para o nosso país e para a liderança que Lula quer exercer no chamado Sul global. O continente africano é uma frente de expansão que vem sendo disputada por várias forças internacionais que tem oferecido, de modo prospectivo, uma ampla possibilidade de expansão de mercado", ressalta o professor da Unicamp Kauê Lopes dos Santos, que também é pesquisador visitante na London School of Economics, da Inglaterra. "O Brasil consolidou há décadas uma agenda internacional de cooperação Sul-Sul. Ao longo dos governos Lula 1 e 2, o país fez uma série de acordos, principalmente nas áreas de agricultura e medicina tropical", relembra.  

'Entra e sai' na África abalou credibilidade do país

Mas desde então, essa interação andou devagar. Ao retornar ao poder para o terceiro mandato, o petista ressaltou que promoveria a 'volta' do país ao continente, num contexto em que outras potências emergentes - como China, Índia, Rússia e Turquia - ampliaram como nunca as parcerias comerciais e investimentos diretos nos países africanos, na última década. Os chineses se transformaram nos maiores fornecedores de uma gama variada de produtos à África, de matérias-primas a bens industriais, além de financiarem uma série de projetos de infraestrutura nos países africanos. 

Na comparação, as trocas com o Brasil são moderadas: apenas 3,8% das exportações brasileiras em 2022 foram para a região, ou US$ 12,8 bilhões. Esse índice se mantém praticamente estável desde o início dos anos 2010.

Gustavo de Carvalho, pesquisador sênior em Governança Africana e Diplomacia no Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA) vive há mais de 15 anos no continente. Ele nota que, neste período, viu muitas promessas dos dirigentes brasileiros não se concretizarem.

"Teve um problema de continuidade que não começou no governo Bolsonaro, uma continuidade de um interesse muito mais reduzido no continente africano nos anos 2010, desde o governo Dilma. E também teve uma questão de narrativas: nos anos 2000, o Brasil desenvolveu uma narrativa de cooperação Sul-Sul sofisticada, que atraiu muito interesse. Mas muitas vezes os efeitos práticos foram mais limitados", explica Carvalho.

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"Esse entra e sai do Brasil, que parece uma montanha-russa nas relações entre o Brasil e a África, tira a credibilidade do país como um parceiro consistente. A mudança brusca, em relação aos anos 2000, e acentuada durante o governo Bolsonaro, não causou uma boa imagem do Brasil por aqui, neste sentido." 

Oportunidades em um continente dinâmico

Carvalho lembra que algumas das economias que mais crescem no mundo estão no continente, com seus 1,4 bilhões de habitantes. Além disso, a União Africana está em processo de implementação de uma zona de livre comércio entre os países-membros, que representa também novas oportunidades para parceiros externos como o Brasil, 

"Se nós olharmos o crescimento de comércio entre a África e o Brasil, tem aumentado, obviamente, principalmente com países como Egito, África do Sul, Argélia e Marrocos. Mas também temos algumas expectativas certamente frustradas, desde a última visita do presidente Lula à África", pondera o consultor. "Precisamos de anúncios mais claros, oportunidades de engajamento além dos que já existem, considerando que o Brasil não está entrando em um vácuo: existe uma certa competição geopolítica que tem os seus impactos geoeconômicos dentro do continente, com relação a investimentos e não só trocas comerciais, mas investimentos diretos, em que o Brasil diminuiu bastante a sua presença nos últimos 15 anos." 

Kauê dos Santos salienta que quase a totalidade dos países africanos tem apresentado melhoras significativas dos seus índices socioeconômicos, graças ao boom das commodities, mas também ao desenvolvimento das estruturas de governança, das forças produtivas e das políticas sociais nas principais economias. "Egito e Etiópia são países estratégicos dentro do continente - desde a posição geográfica que eles ocupam até o impacto econômico e político que eles têm dentro do continente. O Egito ainda tem a particularidade de além de ter uma identidade africana, também tem com o mundo árabe - ou seja, é uma frente importante da influência brasileira para essa outra região", destaca Santos, autor de Africano: Uma introdução ao continente.

Neste sentido, os projetos já desenvolvidos pelo Brasil no passado têm uma vantagem: valorizam a formação de quadros locais, o que contribui para o desenvolvimento dos países onde acontecem os projetos. "Você não vai ter a construção de uma obra, a manutenção de uma ponte ou a reforma de um aeroporto feitos só com trabalhadores brasileiros. O Brasil se preocupa com a formação de quadros estratégicos e profissionalização dos trabalhadores também nesses lugares. Não é o que a China faz, por exemplo."

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