Wálter Maierovitch

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Opinião

Moraes é salvador da pátria? É hora de apertar o botão do desconfiômetro

Para Luís Roberto Barroso, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Alexandre de Moraes goza da sua admiração, respeito e teve um papel importante como ministro. Por evidente, Barroso referiu-se à conduta institucional de Moraes, no tempo de contraste ao bolsonarismo golpista.

O período de alto risco já foi ultrapassado e o próprio Barroso, na abertura do ano judiciário de 2024, destacou a volta à normalidade democrática-republicana: "Felizmente não precisamos gastar muito tempo e energia falando de democracia. As instituições funcionam na mais plena normalidade".

No momento, temos os esperneios de Bolsonaro em manifestações nas quais colocou o bispo Malafaia na condição de seu boneco de ventríloquo. A estratégia, lógico, é para driblar a Justiça e evitar responsabilização criminal, que é sempre pessoal.

Por outro lado, após forte pressão e aviso dos pares para tirar a estrela de xerife, abandonar o papel de Ministério Público e voltar à toga de magistrado, Moraes apertou o botão do desconfiômetro corporal.

Só para recordar, até outro procurador-geral da República temos para as defesas da Constituição e da sociedade contra criminosos poderosos, potentes e antidemocráticos.

Barroso emitiu o acima mencionado juízo de valor em palestra dada na sede da Fundação Fernando Henrique Cardoso, como contou no UOL a jornalista Thais Bilenky. E o ministro-presidente Barroso ressaltou, ainda, a atuação institucionalmente relevante de Moraes em vários inquéritos.

O marco da mudança nos ventos ocorreu com duas decisões monocráticas de Moraes: arquivou o inquérito policial sobre a estada de Jair Bolsonaro na embaixada húngara e, em procedimento acautelatório e relativo ao mesmo episódio magiar, concluiu não haver evidências de que o ex-presidente tenha buscado asilo.

Para grande parte dos cidadãos brasileiros, porém, a nossa democracia continuou em pé graças a Moraes, que teria sabido enfrentar Bolsonaro e os seus apoiadores antidemocráticos. Então virou xerife, herói nacional e salvador da pátria.

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Não é assim, não.

Aras, o garçom do golpismo bolsonarista

Augusto Aras e Jair Bolsonaro
Augusto Aras e Jair Bolsonaro Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Desde a sua posse na Presidência, Bolsonaro tentou colocar o país de ponta-cabeça, com objetivo de se perpetuar no poder, como autocrata.

Para conseguir pintar e bordar com o Estado nacional, ele escolheu a dedo o nome para chefiar o Ministério Público federal: Augusto Aras.

Na visão interesseira de Bolsonaro, precisaria de uma espécie de garçom para servir-se da impunidade e fartar-se de leguleios para descumprir a lei e aniquilar a Constituição.

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Bolsonaro, com artes do mitológico bandido Damaste, aquele que atuava na estrada grega que conduzia a Ática, procurou, nos quadros ativos do Ministério Público Federal, um indesejado pelos seus pares procuradores — nada melhor do que um desmoralizado na instituição.

Procurou alguém que não se incomodava em desprestigiar o MPF por atuar ora como advogado, ora como procurador ministerial — algo que passou a ser proibido na Constituição de 1988.

Como Aras havia ingressado no Ministério Público antes de 1988, continuou a usar dois chapéus, o de advogado e o de procurador, sem constrangimentos.

Parênteses: caso fosse mantida a tradição de a Associação dos Procuradores elaborar, depois de votação, a lista tríplice para a escolha pelo presidente, Aras jamais seria procurador-geral. Frise-se, nem em lista entraria.

Com o beneplácito de Aras, já investido nas funções de procurador-geral da República, Bolsonaro sentiu-se livre para tramar contra a democracia e tentar derrubar o presidente legitimamente eleito.

Sistema constitucional

No sistema constitucional brasileiro, na linha de frente para a defesa dos cidadãos e do Estado democrático e republicano, está o procurador-geral da República.

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Atentar à democracia e tentar realizar um golpe de Estado representam condutas criminosas, previstas no Código Penal. Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada. Com efeito, compete unicamente ao Ministério Público promover a ação penal. Na hipótese de inércia, e só de inércia, caberá a ação penal privada subsidiária.

No caso vivenciado pelos brasileiros, todo o clima e a construção da cultura golpista partia de Bolsonaro. Pela Constituição, competia a Aras contrastá-lo e usar de todos os recursos repressivos e cautelares, legais e legítimos.

Como todos com olhos de ver notam, Aras não atuou de maneira a dar um basta em Bolsonaro. O seu agradecido filobolsonarismo deixou os cidadãos na mão e a Constituição ficou sob risco.

Amiga da família Bolsonaro, a subprocuradora Lindora Aráújo, tabelou a todo o momento que esteve a auxiliar Aras: nem viu crime contra a saúde pública quando Bolsonaro foi flagrando sem máscara e em meio à multidão.

Conselho superior do Ministério Público

Os nossos constituintes ficaram bem atentos ao sistema de freios e contrapesos do direito norte-americano (checks and balances).

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Também levaram a sério o questionamento feito na França, para muitos desde o tempo de Napoleão: "Qui garde le gardien?" ("quem vigia o vigilante?"; "quem fiscaliza o fiscal?").

Em outras palavras, quem teria quevigiar o Aras, como procurador-geral?

Não era Moraes, e a resposta é simples: compete ao Conselho Superior do Ministério Público federal. Os conselheiros, por força de lei complementar, poderiam designar um procurador para promover ação penal contra o procurador-geral da República.

Infelizmente, o Conselho Superior, que não deve ser confundido com o Conselho Nacional do Ministério Público. nada fez durante os dois mandatos de Aras.

Senado da República

O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, recebe o presidente do Senado,Rodrigo Pacheco
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, recebe o presidente do Senado,Rodrigo Pacheco Imagem: Antonio Augusto/Secom/TSE
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O Senado contava, constitucionalmente, com um "cartão vermelho" para expulsar Aras de campo. Entre as competências daquela Casa está a de exonerar, no curso do mandato e por decisão tomada por meio de maioria absoluta, o procurador-geral da República (artigo 52, XI).

O Senado não só deixou de aplicar o cartão vermelho como aprovou a recondução de Aras a segundo mandato de PGR.

Moraes no vácuo

Com a falha gritante apresentada no nosso sistema de freios e contrapesos, surgiu Moraes. O ministro do STF não apareceu do nada, mas a estrela de xerife restou-lhe conferida por portaria do então presidente Dias Toffoli.

Moraes, de fato, tomou o lugar do omisso Aras — usou a toga de magistrado e também a beca do Ministério Público, conforme a ocasião.

Com vários deslizes e muita pegada, esta adquirida desde seu tempo de atuação no Ministério Público de São Paulo, de fato, ele brecou o golpismo capitaneado por Bolsonaro. E a maioria dos ministros do STF chancelou os seus atos. Sendo a palavra final sempre do STF, as condutas de Moraes receberam referendo e passaram a ser legítimas.

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Como o mandato de Bolsonaro terminou e sua inelegibilidade está imposta, cabe a Moraes jogar logo na lata do lixo a estrela de xerife e tudo voltar às mãos do atual procurador-geral, Paulo Gonet.

Os supremos ministros já estão incomodados com os excessos de Moraes. O ministro Moraes percebeu isso e partiu para a moderação. Voltou-se à normalidade, ao Estado de Direito.

Enfim, Moraes não deve ser considerado um salvador da pátria. Pôde agir porque teve o respaldo da sociedade, que, conforme levantamentos, é democrática, e contou com a retaguarda dos seus pares.

Tomada por empréstimo a fórmula empregada em abundância pelo escritor lusitano Fernando Pessoa, o ministro Moraes deveria, a bem da normalidade democrática, abandonar o heterônimo de Xandão, que já somou 140 pedidos de impeachment.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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