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7 meses

Presidente do Peru depõe sobre Rolexgate e agora depende do Parlamento

Imagem: REUTERS/Angela Ponce

Márcio Resende;

Correspondente da RFI em Buenos Aires

05/04/2024 08h50Atualizada em 05/04/2024 10h54

Dina Boluarte depõe nesta sexta-feira (05) no chamado "Rolexgate". A investigação aponta a enriquecimento ilícito e omissão de valores com possível lavagem de dinheiro. Porém, Boluarte está blindada no cargo por uma maioria parlamentar de direita que, pelo menos até julho de 2025, não tem incentivos para destituir a presidente.

A Procuradoria quer saber a origem de, pelo menos, quatro relógios Rolex (US$ 15 mil dólares cada), joias por mais de US$ 500 mil (pulseira Cartier por US$ 56 mil), aumento patrimonial de US$ 120 mil nos últimos dois anos e desconhecidos depósitos sem declarar de US$ 300 mil, em princípio, incompatíveis com os rendimentos da presidente.

Enquanto a Justiça espera evidências que comprovem as explicações da investigada, o governo espera que o depoimento sirva para pôr um ponto final nas investigações.

O primeiro-ministro Gustavo Adrianzén disse nesta quinta-feira (04) que "o assunto dos relógios vai terminar" com a declaração da presidente.

O depoimento está previsto para começar na Procuradoria às 10:30 da manhã desta sexta-feira pelo horário de Brasília (8:30 em Lima).

Proteção do cargo e do Parlamento

Dina Boluarte conta com a imunidade do cargo até o final do mandato em julho de 2026. A Justiça pode investigá-la, mas não pode indiciá-la até o final do mandato que pode ser encurtado pelo Legislativo.

O cientista político peruano, Carlos Meléndez, em entrevista com à RFI explica que os legisladores estão prontos para fazer vista grossa.

"Não há justificativa viável para tantas joias, mas os legisladores já decidiram que qualquer desculpa da presidente é aceitável. O único poder com as armas constitucionais para destituir a presidente é o Congresso, mas, se os legisladores avançarem com um 'impeachment' contra Dina Boluarte, indiretamente, assinarão a própria destituição", explica à RFI Carlos Meléndez, da universidade chilena Diego Portales.

Dina Boluarte era vice-presidente do destituído Pedro Castillo (2021-2022). Assumiu a Presidência em dezembro de 2022. Portanto, a presidente não tem um vice-presidente. Se for destituída agora, o presidente do Parlamento tem de convocar eleições gerais e os atuais legisladores perdem os seus cargos, dois anos antes do final do mandato, em julho de 2026.

"Os legisladores não têm uma aliança com Boluarte, mas precisam fazer vista grossa para continuarem no cargo. Até agora, fizeram vista grossa com mais de 50 peruanos mortos em dezembro de 2022. Bem podem fazer vista grossa por mais 20 Rolex", compara Meléndez,

Essa será uma carta que a maioria parlamentar de direita no Congresso tem para controlar politicamente a presidente. Ou seja: Dina Boluarte fica, a partir de agora, refém dessa maioria de direita.

Refém da direita

Dina Boluarte foi eleita numa chapa de esquerda, mas, para garantir a sua permanência no cargo depois de se tornar presidente, aliou-se com a direita que domina o Parlamento.

Na quinta-feira (05), essa maioria parlamentar rejeitou dois pedidos de destituição contra a presidente, feitos pela bancada de esquerda.

Um desses pedidos era justamente pela posse de relógios e de joias de luxo não declaradas. O outro pedido foi sobre a responsabilidade da presidente nas mortes de 54 pessoas (49 civis) durante as manifestações de dezembro de 2022.

Houve uma convulsão social no país contra a destituição de Pedro Castillo e contra a posse de Dina Boluarte, que teria mandado reprimir os protestos de forma violenta. As bancadas de direita salvaram a presidente em nome da "estabilidade política do país".

Esses pedidos de impeachment vieram depois de uma operação de busca e apreensão na residência presidencial durante a Semana Santa.

Operação transmitida por TV

A presidente Dina Boluarte já tinha sido intimada a declarar na Procuradoria na terça-feira, 26 de março, mas pediu para adiar a declaração, alegando ter uma agenda lotada. Esse argumento chocou-se com a realidade de uma agenda oficial com poucos compromissos.

Na madrugada de sexta-feira (29) para sábado (30), durante o feriado da Semana Santa, os agentes entraram na residência da presidente à força. Também entraram no Palácio de Governo. Tudo foi transmitido pela TV.

Dina Boluarte classificou o episódio de "arbitrário, desproporcional e abusivo". Os policiais procuravam os números de série dos relógios e os documentos das joias para rastrear as origens. Encontraram 10 relógios, alguns Rolex. Conseguiram alguma documentação.

Investigação jornalística

Tudo começou em 14 de março passado, quando a imprensa peruana publicou uma série de fotografias de arquivo de Dina Boluarte em eventos oficiais no quais ela usava diferentes relógios Rolex que valem em torno de US$ 15 mil dólares cada um.

Os jornalistas da plataforma "La Encerrona" analisaram milhares de fotografias e reconheceram cerca de 15 relógios. A Justiça trabalha com, pelo menos, quatro.

Mas essas não são as únicas joias de valor omitidas na declaração fiscal da presidente. Foram detectadas diversas joias valiosas, depósitos bancários sem explicação e aumento patrimonial significativo. Os valores oscilam entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão.

Durante três semanas, desde a publicação das fotos, a presidente não deu nenhuma explicação.

"A presidente não teve uma narrativa para explicar algo tão simples. Com isso, escalou uma crise política. Dina Boluarte alegou que responderia primeiro à Procuradoria; não à opinião pública. Não tem resposta porque ficou elaborando a desculpa que vamos conhecer nas próximas horas. Aparentemente, essa justificativa passa por relações amistosas e afetivas. Pessoas que a presenteiam com relógios e joias", observa Carlos Meléndez.

Fogueira de vaidades

A Procuradoria trabalha com a hipótese de corrupção e lavagem de dinheiro. Investiga a "relação amistosa" de governadores que teriam comprado relógios Rolex para a presidente em troca de favores políticos.

O governador da região de Ayacucho, Wilfredo Oscorima, por exemplo, comprou um relógio cujo valor é de US$ 19 mil. O relógio tem as mesmas características de um dos relógios da presidente. Foi comprado no dia do aniversário da presidente, em 31 de maio do ano passado e, horas depois, o governador foi até a sede da Presidência.

Em março, o governador recebeu uma transferência de US$ 27 milhões para construir um estádio.

Oscorima reconheceu, na quinta-feira, que comprou o relógio, mas disse que presenteou um parente.

O primeiro-ministro Gustavo Adrianzén disse que tudo isso não passa de uma "infeliz coincidência".

Desde o começo do escândalo, já renunciaram três ministros.

Numa única cerimônia no ano passado, a presidente Dina Boluarte exibiu um relógio Rolex e joias de ouro, pérola e diamantes avaliadas em mais de US$ 150 mil dólares.

"O que vemos é uma política amadora, superficial e fútil na administração do poder. Dina Boluarte criou uma fogueira com as suas próprias vaidades", define Meléndez.

Dina Boluarte não tem bancada própria e repartiu os ministérios aos aliados da direita para garantir governabilidade. Mesmo assim, corre o risco de ser destituída dentro de um ano.

Em 25 de julho de 2025, Dina Boluarte terá de convocar eleições para abril de 2026. Depois disso, os atuais legisladores já não perdem o cargo até o final do mandato, um ano depois. Ou seja: dentro de um ano, a destituição de Dina Boluarte não terá mais custos para o atual Parlamento.

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