Bela Gil lança livro na França e defende remuneração do trabalho doméstico por 'justiça de gênero'

A chef, apresentadora e escritora Bela Gil lançou na França o livro "Qui va faire à manger ? Femmes, travail domestique et alimentation saine", pela editora Ana Caona. Publicado no Brasil em 2023 com o título "Quem vai fazer essa comida? Mulheres, trabalho doméstico e alimentação saudável" (Elefante), a obra trata da questão do trabalho de cuidado, não ou mal remunerado, realizado na maioria das vezes por mulheres, e a relação dessas atividades com o sistema alimentar.

Bela Gil defende em seu livro que a alimentação é uma ferramenta poderosa para a transformação social. "Acho que cada um tem aquela luzinha que brilha, que faz a gente acordar todos os dias e até mesmo uma inquietação na vida que faz a gente se movimentar e mexer. A minha é essa questão da injustiça social muito relacionada à alimentação", disse à RFI.

"A gente vive num país muito desigual, onde ainda existem milhões de pessoas passando fome. Mas quando a gente fala de alimentação saudável, é porque não basta só a pessoa ter acesso a um alimento, mas precisa ser um alimento de qualidade, saudável", defende.

Bela Gil ressalta que é um direito dos brasileiro e brasileiras terem acesso a uma alimentação saudável. Mas, na prática, não é isso que acontece.

"Conectar esses pontos entre alimentação saudável e trabalho doméstico, para mim é uma das formas mais eficazes que a gente tem de fazer com que a gente consiga democratizar o acesso à alimentação saudável", acredita. 

Ela lembra que o trabalho doméstico, realizado maioritariamente por mulheres, ocupa muito tempo na vida das pessoas. Para ela não é possível falar de comida saudável ? que ela chama de comida de panela ?, sem contabilizar o trabalho necessário para fazê-la. 

"Esse trabalho tem que ser contabilizado, ele tem que ser tirado da invisibilidade, tem que ser reconhecido", insiste.  

Soluções

O trabalho doméstico não remunerado, argumenta, resulta no burnout materno, na exaustão das mães e das mulheres. "É uma carga e uma sobrecarga na vida das mulheres que muitas vezes leva a problemas físicos, mentais, psicológicos", salienta. 

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Bela Gil alega que o nosso sistema econômico global "enxerga o trabalho produtivo, mas o trabalho reprodutivo, ou seja, o trabalho do cuidado, não é reconhecido", lembrando que este trabalho equivale 13% do PIB mundial. 

"Eu acredito muito na remuneração do trabalho doméstico como uma forma muito eficiente de a gente atingir justiça de classe, de raça e de gênero, porque a gente sabe que esse trabalho recai, maioritariamente, sobre mulheres pretas e pobres", diz.

A redução da carga de trabalho pela redistribuição das tarefas domésticas também é outra ideia defendida pela autora. Para isso, ela acredita que o Estado tem o papel de criar políticas de apoio como creches, restaurantes populares e cozinhas comunitárias. 

Alimentação saudável e políticas públicas

No livro, Bela Gil busca quebrar o mito de que a alimentação saudável depende de escolhas individuais. "Depende do acesso à informação, se você sabe o que é bom para você ou não, depende se você consegue achar o alimento, se você tem dinheiro para comprar o alimento, se você tem acesso a saneamento básico, à água, a gás, à eletricidade e depende se você tem tempo também de poder pegar tudo isso, juntar tudo e fazer uma boa refeição", resume. 

"Se a gente quer fazer mudar algo muito grande, é realmente só com políticas públicas", diz Gil, que fez parte do gabinete de transição do governo do presidente Lula, integrando o grupo de desenvolvimento social e combate à fome. Atualmente, ela é voluntária no Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável do governo brasileiro. 

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"A gente sabe que a comida ultraprocessada faz mal. Está na literatura acadêmica. A gente sabe que os ultraprocessados matam e têm matado mais do que homicídio por arma de fogo no Brasil por ano", frisa. "Então, como que o governo pode incentivar o consumo desses produtos? Acho que a gente consegue, com políticas, melhorar, induzir e incentivar uma alimentação mais saudável", defende.

Apesar de acreditar na necessidade de medidas vindas do Estado, ela diz não ter pretensão de se candidatar a nada por agora. "Mas estar por perto de pessoas que tomam decisões, fazer parte do conselhão, poder apresentar uma proposta, poder ter esse tipo de diálogo, para mim é muito bom", diz. "Em algum momento, posso vir a me candidatar a alguma coisa, mas, por enquanto, não." 

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