Com medo de nova frente de guerra, moradores deixam norte de Israel e sul do Líbano

O exército israelense trocou novos tiros na noite de quinta-feira com o movimento xiita Hezbollah na sua fronteira com o Líbano e continuou o bombardeio em Gaza na sexta-feira (21), em meio a uma escalada de retórica que levanta temores da escalada da guerra. Um dia após os ataques do Hamas em 7 de Outubro, o Hezbollah passou a disparar contra o norte de Israel. A milícia xiita libanesa argumenta que se trata de um gesto de solidariedade ao grupo palestino de Gaza e também uma forma de pressão sobre o governo israelense. 

Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel

Em função disso, mais de 60 mil moradores do extremo norte de Israel deixaram as suas casas. No lado libanês, 90 mil pessoas deixaram as cidades do sul do país. 

Os confrontos já deixaram mais de 340 membros do Hezbollah mortos. Do lado israelense, cerca de 30 pessoas morreram até agora.

Diante do risco de uma guerra total, O enviado especial dos Estados Unidos, Amos Hochstein, esteve nos dois países nesta semana. Depois de visitar o Líbano e Israel, ele ainda não tem grandes resultados a apresentar ao presidente Joe Biden.

Hochstein encontrou-se com Nabih Berri, presidente do parlamento libanês, levando uma mensagem direta de Israel; a escalada será inevitável se não houver negociações e um cessar-fogo. 

"Estamos passando por momentos difíceis e queremos soluções para a situação. Conversei com o presidente do parlamento libanês sobre como interromper o conflito, que deve ser resolvido de forma diplomática e urgente. A situação é muito grave. O presidente Joe Biden quer evitar uma escalada que pode levar a uma guerra total. A proposta foi aprovada por Israel, que vai acabar com a guerra em Gaza e estabelecer prazos para a retirada das forças militares do território", disse Hochstein após o encontro.

O enviado norte-americano fez referência à proposta divulgada por Biden para um acordo capaz de encerrar a guerra em Gaza e libertar os reféns israelenses que seguem sequestrados pelo Hamas. 

Como o Hezbollah argumenta que dispara contra o território israelense como forma de pressão sobre o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, se houver um acordo entre Hamas e Israel é provável que a milícia xiita também decida interromper o confronto.

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Guerra x diplomacia

A intenção dos EUA é encontrar soluções a 13 pontos de disputa localizados na fronteira entre os dois países. De forma ampla, os Estados Unidos pretendem abordar três das principais demandas israelenses que são também mencionadas pela Resolução 1701 da ONU que encerrou a Segunda Guerra do Líbano, em 2006: Washington quer a presença das forças militares regulares do Líbano na fronteira, o fortalecimento das tropas da ONU, a Unifil, e a retirada do Hezbollah para além do Rio Litani, portanto pelo menos 20 quilômetros distante da fronteira com Israel.

Nesta semana, o líder do Hezbollah, o xeque Hassan Nasrallah, enviou algumas mensagens em seu discurso mais recente: disse que não tem interesse numa guerra total, mas que está preparado se ela ocorrer; disse estar aberto a negociações, mas afirmou que não irá parar de disparar enquanto a guerra em Gaza prosseguir.

De acordo com uma fonte militar israelense ouvida pela RFI, a posição de Israel é similar: não quer uma guerra, mas está pronto, caso seja necessário. 

O líder da milícia libanesa disse ainda que considera a opção de invadir a região da Galileia, no norte de Israel. Em maio de 2023, o Hezbollah realizou um exercício militar aberto à imprensa em que simulava a tomada de cidades e regiões do norte israelense.

Pela primeira vez, ele fez também uma ameaça direta a um estado europeu, o Chipre, que é membro da União Europeia (UE). Nasrallah diz que irá envolver o Chipre no conflito se o país permitir a Israel usar seu território e infraestrutura num eventual confronto com o Hezbollah.

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Segundo informações obtidas pela RFI, Israel considera usar a estrutura portuária no Chipre caso o Porto de Haifa seja atingido numa guerra com a milícia xiita libanesa. 

"Israel perdeu o Norte"

Nesta semana, o Hezbollah divulgou um vídeo de nove minutos e meio de duração mostrando o voo de um drone sobre o norte de Israel. A aeronave filmou o porto de Haifa, navios da marinha israelense, instalações do sistema de defesa Domo de Ferro, a fábrica de armas Rafael, tanques de produtos químicos, bairros residenciais e um centro comercial. O grupo libanês definiu o vídeo como um "banco de alvos" e disse que Haifa será o seu foco principal no caso de uma guerra aberta.

Em entrevista à RFI, Danny Orbach, historiador militar da Universidade Hebraica de Jerusalém, analisou as possibilidades que estão em jogo neste momento. "Eu diria que hoje há 60% ou 70% de possibilidades de uma guerra total, apesar de as duas partes não estarem interessadas nisso. Ao contrário de Gaza, não é possível ocupar todo o Líbano. Isso leva Israel a fazer escolhas: ou voltar a ter uma zona tampão (no Líbano) ou passar a atacar infraestrutura libanesa", diz.

Por aqui, as pessoas falam abertamente que "Israel perdeu o norte" do país. Kyriat Shmona, a cidade mais atingida pelos mísseis e foguetes do Hezbollah, fica a menos de quatro quilômetros da fronteira e tem sido intensamente alvejada. 

Uma pesquisa da Tel-Hai Academic College, instituição de ensino superior que fica ao norte da cidade, mostra que 43% dos moradores consideram a possibilidade de não retornar mesmo depois que a situação se acalmar. Outros 13% já tomaram a decisão de abandonar a cidade em definitivo. 

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Num episódio que provocou ainda mais incertezas, Shaul Goldstein, CEO da empresa independente de fornecimento elétrico de Israel Noga, fez um alerta: "Não estamos preparados para a guerra. Depois de 72 horas sem eletricidade, será impossível viver em Israel", disse durante a conferência do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS).

Na sequência, descreveu um cenário ainda mais dramático.

"Se Nasrallah quiser derrubar a rede elétrica de Israel, basta pegar o telefone do responsável pelo sistema elétrico de Beirute, que é exatamente igual ao daqui. Ele nem precisa de um drone, basta telefonar num segundo para um engenheiro elétrico e perguntar onde estão os pontos mais críticos em Israel".

Após grande repercussão, a Noga esclareceu que as palavras do CEO "não representam as avaliações profissionais da empresa sobre o estado de preparação do setor elétrico de Israel para uma emergência".

Apesar da tentativa contornar a situação, as declarações ganham força e acrescentam novos elementos de preocupação à sociedade israelense.  

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