Milei usa Pacto de Maio para comprometer apoio político à nova fase de reformas estruturais

Na madrugada desta terça-feira (9), o presidente Javier Milei usou o dia da Independência da Argentina para construir o seu próprio épico de refundação do país. O denominado "Pacto de Maio" é um decálogo de objetivos através dos quais Milei procura o consenso dos líderes políticos para iniciar formalmente a fase reformista do seu governo. Pacto é também a ferramenta para superar uma hiper minoria parlamentar, insuficiente para aprovar qualquer reforma.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O "Pacto de Maio" é uma espécie de dez mandamentos que o presidente Javier Milei considera serem fundamentais para a prosperidade da Argentina.

"Em 9 de julho de 2024, com a assinatura desta Ata de Maio, com representantes de todos os setores da política e da sociedade, anunciamos também o pontapé inicial de uma nova ordem para o nosso país", iniciou Javier Milei o seu discurso em tom épico.

Os pontos vão desde compromissos com o equilíbrio fiscal e com a redução do gasto público até um conjunto de reformas como a tributária, a trabalhista e a previdenciária, passando pela abertura comercial do país e pelo corte nas burocracias que travam o crescimento econômico.

São pontos contra os quais dificilmente algum político pode se manifestar. Aliás, nenhum criticou os dez pontos.

Os que não aderiram, alegaram motivos de outra índole como não se tratar de um pacto, mas de um documento de adesão.

Esse, aliás, era um dos objetivos de Milei: expor aqueles que estão contra os dez pontos básicos de consenso sobre o futuro do país.

"A Argentina está diante de um ponto de inflexão. Os pontos de ruptura na história de uma nação são momentos nos quais o abismo se torna tão claro que a mudança se transforma numa obrigação e numa urgência", prosseguiu o presidente argentino o seu discurso na madrugada de Tucumán, cidade a 1.300 km a noroeste de Buenos Aires, onde foi declarada a Independência do país em 9 de Julho de 1816.

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Fase reformista

Com o "Pacto de Maio", o governo Milei entra formalmente numa nova fase, a das reformas. Isso porque esse decálogo de objetivos visa o consenso entre os líderes políticos sobre o caminho para se sair da crise.

"Não é a primeira vez que, depois de anos de guerras intestinas, representantes de vários confins do mapa político reúnem-se para entregarem as armas e para se encontrarem em torno de uma nova ordem", continuou Milei em comparação com o momento histórico da Constituição de 1853, a primeira do país.

"Que isto seja possível hoje é, sem dúvida, símbolo de uma mudança de época", destacou.

Milei precisa desse consenso por ter apenas 10% dos senadores e 15% dos deputados. É uma hiper minoria parlamentar, insuficiente para aprovar qualquer lei, ainda mais reformas.

Dos 24 governadores das províncias, 18 assinaram. Dos seis ex-presidentes ainda vivos, participaram dois, com destaque para o até agora aliado Mauricio Macri.

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Os opositores, liderados pela ex-presidente Cristina Kirchner, rejeitam qualquer sintonia com Milei.

"Há muitos dirigentes políticos, sociais e sindicais que não estão aqui porque os seus cabrestos ideológicos os levam a desconhecer a raiz do fracasso argentino, porque têm medo ou vergonha de terem persistido no erro durante tanto tempo e porque têm a obstinação de não ceder aos privilégios da velha ordem", avaliou Milei, acusando os ausentes "de tentarem quotidianamente boicotar o governo e de conspirarem para o seu fracasso".

"São viciados no sistema porque os seus interesses pessoais são diametralmente opostos ao do comum das pessoas", concluiu para anunciar que "está aberto a abraçar aqueles que quiserem redimir-se".

O desafio do presidente é que essa maioria dos que aderiram ao pacto se transforme em votos no Congresso.

O presidente terminou o discurso, prometendo levar todos os dez pontos ao Congresso.

"Não viemos aqui para construir um relato, mas para construir uma nação. Por esta razão, decidimos criar o Conselho de Maio, que terá como objetivo traduzir cada uma dessas subseções em legislação efetiva que enviaremos ao Congresso", finalizou.

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Pacto de Maio em julho

O "Pacto de Maio" estava previsto para o dia 25 de Maio, em comemoração à Revolução de 1810 que derivaria na Independência do país seis anos depois.

Mas, com a demora na aprovação da chamada "Lei Bases", um conjunto de ferramentas básicas do governo, o Pacto foi adiado para este 9 de julho, dia da Independência.

Por trás das duas datas históricas, está a construção de uma épica.

Em 25 de maio de 1810, na emblemática praça de Maio, uma multidão se reuniu para dar o primeiro grito de liberdade.

Em 9 de Julho de 1816, foi a Independência. Ou seja: a liberdade em si.

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Então, Milei, como um libertário, quer construir um consenso em torno da liberdade econômica dos argentinos e, nesse consenso, ele se torna a referência dessa façanha que pretende entrar para a história.

Estratégia política

Nestes sete primeiros meses de governo, Javier Milei aplicou um plano de ajuste fiscal para combater a inflação. Esse ajuste levou o país a uma forte recessão.

Essa primeira fase precisa de uma segunda fase de reformas que promovam o crescimento.

Javier Milei tem 54,7% de imagem positiva, segundo a consultora Giacobbe & Asociados. É praticamente o mesmo número com o qual foi eleito em novembro passado (55,7%). Apesar da recessão, o presidente ainda tem apoio de metade da população.

Para manter essa esperança, ele precisa reativar a economia, antes que a recessão se torne desemprego. E, ao mesmo tempo que Milei precisa de apoio parlamentar agora, ele precisa de legisladores próprios no futuro.

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A estratégia é usar o apoio político do Pacto de Maio para construir uma coalizão de direita na qual o próprio Milei seja o líder para as eleições legislativas de outubro do ano quem, quando será renovada a metade do Senado e um terço da Câmara de Deputados.

Os dez pilares do Pacto de Maio:

1) A inviolabilidade da propriedade privada.

2) O equilíbrio fiscal é inegociável.

3) A redução do gasto público a níveis históricos em torno de 25% do PIB.

4) Uma educação inicial, primária e secundária útil e moderna, com alfabetização plena e sem abandono escolar.

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5) Uma reforma tributária que reduza a pressão impositiva, que simplifique a vida dos argentinos e que promova o comércio.

6) A rediscussão do repasse de verbas federais.

7) O compromisso das províncias argentinas de avançar com a exploração dos recursos naturais.

8) Uma reforma laboral moderna que promova o trabalho formal.

9) Uma reforma previdenciária que dê sustentabilidade ao sistema e que respeite os que contribuíram +++

10) A abertura ao comércio internacional para que a Argentina volte a ser protagonista do mercado global.

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