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Por que Maduro está cada vez mais isolado na América Latina

Venezuelano é pressionado também por governos latino-americanos de esquerda após se autodeclarar reeleito sem escrutínio do resultado. Países agem mais por questões democráticas do que ideológicas, dizem especialistas. Ao apoio que os regimes autoritários de Cuba e Nicarágua deram a Nicolás Maduro na Venezuela não se somaram muitos outros na América Latina. Honduras e Bolívia felicitaram o líder chavista, mas, diante das críticas da oposição, o governo de La Paz justificou ter agido apenas por respeito ao protocolo.

Já o Peru foi o primeiro a reconhecer a vitória eleitoral do candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, sendo depois seguido por Argentina, Uruguai, Equador, Costa Rica e Panamá.

Maduro também está sob pressão de outros países - inclusive os comandados por governos de esquerda, como Chile, Colômbia, Brasil e México -, que exigem a publicação de todas as atas eleitorais e o escrutínio das contagens. Passados seis dias desde a eleição, realizada em 28 de julho, esses documentos ainda não foram apresentados por Caracas.

A oposição afirma que González tem 67% dos votos. Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão controlado pelo regime chavista, alega que Maduro venceu com 51% dos votos contra 44% do opositor.

A dúvida sobre os resultados alardeados por Maduro também não vem só desses países. A ONG Centro Carter, uma das poucas entidades independentes que puderam acompanhar precariamente o pleito, constatou violações não só na contagem e divulgação dos votos, mas também ao longo de todo o período que precedeu a votação, com tolhimento do direito ao voto e perseguição da oposição.

Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros a partir de atas eleitorais reunidas pela oposição também aponta vitória de González, com 66,1% dos votos. Já uma análise da agência de notícias Associated Press do mesmo material conclui que a oposição venceu por vantagem "significativa", com 6,89 milhões de votos contra 3,13 milhões de Maduro.

"Divisão saudável" da esquerda

Historiador e professor da Universidade de Lima, Daniel Aurelio Parodi vê a esquerda dividida em todo o mundo; enquanto uma "se manteve radical, pseudomarxista, autoritária", outra se voltou mais para a social-democracia e para agendas culturais progressistas. Esse fenômeno, segundo ele, também ocorre na América Latina.

"O que está acontecendo com a Colômbia de [Gustavo] Petro; com Lula, no Brasil; com [Gabriel] Boric, no Chile, que teve um papel de muito protagonismo, é que estão sinalizando distância do regime autoritário de esquerda de Nicolás Maduro", analisa. "Estamos diante de uma divisão saudável, parece-me, da esquerda latino-americana. A maioria dos países de esquerda, que são de esquerda democrática, estão se somando aos países liberais democráticos, de outra ideologia, que estão condenando tanto a ditadura de Maduro quanto a aparente fraude eleitoral."

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"Postura é guiada menos por afinidade ideológica e mais por defesa da democracia"

Diretor do Grupo de Estudos da Democracia da Universidade do Rosário, na Colômbia, Yann Basset diz que a atitude do regime venezuelano obriga esses países a assumirem posições baseados na defesa dos princípios democráticos. "Mas há matizes", ressalta.

O especialista diz que é difícil defender um regime que não abriu os resultados eleitorais e se autoproclamou vencedor mesmo assim. "Isso não é justificável sob nenhum padrão de eleições democráticas. Por isso, os únicos países que reconheceram a vitória de Maduro são países autoritários ou semi-autoritários", explica.

Basset vê a postura de países latino-americanos críticos ao processo eleitoral norteada mais por "uma lógica de regime democrático contra autocracia, e não tanto de afinidade ideológica". Tanto que, aponta, entre os que adotaram uma posição mais firme há governos de direita, como Argentina e Uruguai, e de esquerda, como Chile - apesar de governos de esquerda terem sido mais cautelosos.

Mas Basset pondera que governos latino-americanos nem sempre são tão consistentes em sua defesa da democracia na região. Ele cita como exemplo o caso de El Salvador, país governado por Nayib Bukele, acusado de encarcerar inocentes, perseguir críticos e minar o Estado de Direito.

"El Salvador é apoiado por governos de direita, sem [que isso gere] preocupações com os direitos humanos e com os problemas que surgem do ponto de vista da democracia. Acho que ainda há cálculos políticos e afinidades ideológicas que se manifestam claramente nas reações dos governos latino-americanos diante desses tipos de acontecimento."

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"Novo cenário é mais de embate entre conservadores e progressistas que entre direita e esquerda"

Parodi, da Universidade de Lima, analisa o fenômeno no contexto global: "Parece-me, com ou sem Maduro, que está se configurando um novo cenário onde conservadores e progressistas se enfrentam, mais do que os antigos direitistas e esquerdistas do século 20."

E a esquerda progressista, ressalta o historiador, pende para a democracia. "É o mundo pós-Guerra Fria, onde caiu o socialismo real da União Soviética; um mundo em que a China decidiu ser politicamente autoritária, mas economicamente capitalista; [um mundo] em que o espaço das esquerdas radicais, das esquerdas autoritárias, se reduz muito na América Latina."

O problema é, afirma Parodi, é que "ambas as posturas, conservadora e progressista, têm muito pouca vocação para o diálogo". "A polarização política é um fenômeno mundial. Estamos ficando sem esse centro em que se respeita a posição do outro, esse centro em que o republicanismo e a democracia são bandeiras."

O impacto na América Latina

Por enquanto, a crise continua na Venezuela. Protestos têm sido duramente reprimidos por Caracas, e a oposição enfrenta intimidações e ameaças. Neste sábado (03/08), a líder oposicionista María Corina Machado juntou-se a manifestantes na rua, mas González, que pela contagem deles venceu o pleito, não. Emissários de Maduro já clamaram pela prisão da dupla, e alguns funcionários que atuaram na campanha buscaram abrigo em embaixadas estrangeiras.

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Três perguntas pairam no ar, afirma Parodi, da Universidade de Lima. "Maduro vai se manter no poder desta vez? Caso sim, haverá uma segunda onda migratória? Em tal caso, o que os países da região vão fazer com uma migração tão massiva?"

Outrora uma das mais prósperas nações do continente, a Venezuela, país rico em petróleo, viu sua economia derreter e perdeu quase um terço de sua população na última década. Mais de 7,7 milhões abandonaram o país desde 1999, mas a maior parte dessa migração ocorreu durante o governo de Maduro, que culpa as sanções dos Estados Unidos pela decadência nacional.

"Para a Colômbia seria um retrocesso especialmente complicado. O governo colombiano apostou muito em uma normalização das relações com a Venezuela", diz Yann Basset, da Universidade do Rosário.

É na Colômbia que se assentaram a maioria dos refugiados venezuelanos: 2,9 milhões, segundo dados reunidos em 2023 pela Anistia Internacional.

"Se Maduro ao fim conseguir ficar, vai radicalizar sua postura e deixar a oposição um pouco contra a parede. Não há canais de participação nem de diálogo político", pontua Basset.

O historiador Parodi também não se mostra muito otimista, e conta com um endurecimento ainda maior do regime. "Na América Latina costumamos dizer que as ditaduras se tornam mais repressivas quando se aproximam do fim. Adotam posições defensivas e são absolutamente intolerantes porque se sentem cercadas. A expulsão de sete embaixadores e a ruptura possivelmente ainda maior de relações internacionais nos mostra uma Venezuela quase órfã internacional... É um contexto muito complicado, o que se avizinha."

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Com informações de Emilia Rojas Sasse

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