Maria Marighella comanda 'ofensiva sensível' da cultura brasileira no Festival de Avignon

Presidente da Funarte, a Fundação Nacional de Artes do Brasil, Maria Marighella fez sua "estreia" no Festival de Avignon, o maior evento de artes cênicas do mundo, em sua edição 2024. Ela conversou com a RFI sobre as missões da delegação da cultura brasileira durante a programação do evento dirigido pelo português Tiago Rodrigues, e expôs sua visão sobre as novas políticas públicas que estão sendo desenhadas para a internacionalização dos artistas, antecipando o ano do Brasil na França, em 2025.

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RFI: Qual é a missão da delegação da cultura brasileira no Festival de Avignon em 2024?

Maria Marighella: As missões são muito grandes. Essa retomada do Ministério da Cultura vem com uma missão institucional. A Funarte, nessa retomada, tem a missão institucional de coordenar o grupo que cuidará da política nacional das artes. É uma atribuição do Ministério da Cultura do Brasil, um ministério retomado, renascido, e tem, em sua atribuição primeira, construir, entregar ao povo brasileiro uma política nacional das artes que tenha o tamanho, a força e a diversidade das artes brasileiras. E, por óbvio, a internacionalização das artes está entre as atribuições da construção dessa política. Nós sabemos a importância que as artes brasileiras têm em todo o mundo, e as expectativas que o mundo tem em relação à produção artística brasileira. Isso é o que eu tenho chamado de "ofensiva sensível". O Brasil tem uma ética, uma estética, uma poética, uma radicalidade no modo de se expressar artisticamente. Isso é uma força, isso é uma riqueza. E essa experiência tão viva, tão celebrada, precisam de contornos de política pública, ou seja, das instituições dando densidade, trazendo retornos ao Brasil, a seus fazedores de cultura, mas sobretudo aos brasileiros, ao cidadão brasileiro que tem nas artes uma expressão da sua identidade, da sua singularidade e também da sua força única na sua dimensão econômica de mercado.

RFI: Que contornos teriam essas políticas públicas?

Maria Marighella: Eu acho que esse novo ciclo político traz uma nova cultura política que diz assim: o artista, o agente cultural, o agente artístico, não é o beneficiário da política pública, ele é o meio pelo qual a política se materializa. Existe uma cena brasileira, como aqui em Avignon. Mas posso falar também da Bienal de Veneza, posso falar dos acordos de cooperação que estamos estabelecendo na América Latina, em África - onde estive, em Moçambique -, ou seja, é o Ministério da Cultura do Brasil chegando também agora mais perto da Ásia. Então é o Brasil voltando à cena mundial, tendo as suas artes como um ativo da diplomacia brasileira, como espaço de diálogo, de soberania, de identidade, reconhecendo os artistas como parte fundamental dessa construção, não como agentes que chegam depois. Tendo essas experiências como estruturas que, aí sim, voltando à sua pergunta, nortearão a construção de uma prática republicana transparente. Então, quando a gente fala de uma política de internacionalização, a gente tem que falar de um monte de elementos desde o fomento, ou seja, dos recursos investidos, e da abertura de mercados, da distribuição do produto. Então, a gente tem uma política pública tradicionalmente construída na produção, mas nós não temos uma política de distribuição do produto artístico brasileiro, e isso não se faz sozinho.

RFI: O que você achou da iniciativa do Tiago Rodrigues, diretor do Festival de Avignon, de criar o evento "Noite de Avignon", uma "iniciativa cidadã contra a extrema direita", depois dos resultados do primeiro turno das eleições legislativas na França?

Maria Marighella: Foi um gesto lindo. É uma chamada à construção coletiva, é claro. Ele faz uma "movida" cidadã, eu acho que é esse o papel das artes. Ou seja, a gente fala muito de direitos culturais e pouco das liberdades. A gente precisa tratar muito do papel da liberdade, do espaço livre que o agente artístico precisa ter dentro da sociedade. Há uma experiência de imaginação, há uma experiência em momentos de crise. Ou seja, antes mesmo da construção real, a gente precisa ativar um espaço de imaginação. (...) Foi através da arte, da cultura, que povos sujeitos a territórios sistematicamente vilipendiados, explorados, puderam se afirmar, portanto, a cultura é uma riqueza do povo brasileiro, um ativo da nossa história. E como toda riqueza, tem que ser partilhada, e eu acho que é isso que a gente está fazendo aqui.

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