André Santana

André Santana

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Pioneiras olímpicas celebram ouro de atletas negras

Em um dia histórico para o esporte brasileiro, em que Rebeca Andrade subiu ao pódio para receber sua sexta medalha e se tornar a brasileira mais premiada da história em Jogos Olímpicos, duas atletas pioneiras do futebol, Michael Jackson e Formiga, celebraram a representatividade de mulheres negras no esporte.

As atletas estiveram nesta segunda-feira, 5, na Casa Brasil (no Parc de la Villette). que promove o país na capital francesa e tem sido espaço de concentração da torcida pelos atletas brasileiros nos Jogos Olímpicos 2024.

Em entrevista à coluna, além de celebrarem as duas medalhas de ouro conquistadas por Bia Souza e Rebeca Andrade, mulheres negras como elas, Michael Jackson e Formiga falaram das dificuldades ainda enfrentadas pelas mulheres no esporte, da falta de incentivo dos clubes e também das conquistas do futebol feminino do Brasil, frutos da resistência das pioneiras.

Destaque para a realização do Mundial de Futebol Feminino em 2027, cuja sede será o Brasil, com jogos realizados em diversas cidades e em todas as regiões do país.

"A realização desta Copa do Mundo no Brasil vem para consagrar de vez o futebol feminino, que alcançou um nível de excelência sem volta. Que ele seja tratado com o respeito e a dignidade que merece", é o que deseja Mariléia dos Santos, a Michael Jackson.

O apelido ela conta que recebeu do locutor esportivo Luciano do Vale, que encontrou semelhanças entre a jogadora e o astro pop, que brilharam nas décadas de 1980 e 1990. "No começou não gostei, mas pegou e hoje se você chamar de Mariléia eu não vou te responder, são mais de 30 anos como Michael Jackson", brinca.

Jackson e Formiga defenderam o Brasil em 1º participação olímpica

A atacante da Seleção Brasileira por 12 anos nasceu em Valença, Rio de Janeiro. Ela participou da primeira competição realizada pele Fifa para o futebol feminino, um torneio na China, em 1988. "Já chegamos dizendo o que queríamos e ficamos em terceiro lugar", relembra.

Michael Jackson defendeu o Brasil na Copa do Mundo de Futebol Feminino de 1995, na Suécia e na primeira participação do futebol brasileira em Jogos Olímpicos, em Atlanta, 1996, garantindo o quarto lugar.

"Foi minha primeira Olimpíada e também a última. Foi quando eu passei o bastão para a Formiga, que o carregou com muita competência durante muitos anos", destaca.

Foram muitos anos mesmo.

A soteropolitana Miraildes Maciel Mota, a Formiga, como foi batizada pelos torcedores e como se consagrou no esporte, é recordista de participações olímpicas, tendo disputado sete edições dos Jogos, desde 1996, ganhando junto com a seleção brasileira duas medalhas de prata (Atenas 2004 e Pequim 2008).

Em Paris 2024 é a primeira vez que a seleção brasileira disputa uma Olimpíada sem Formiga em campo.

A jogadora também é a atleta, entre homens e mulheres, a participar de mais Copas do Mundo: foram sete edições e uma final.

Enfrentaram o machismo e a falta de apoio e até de uniformes

Sobre acompanhar a seleção agora apenas como torcedora, ela responde com tranquilidade: "Eu me preparei para esse momento. Agora a função é torcer, torcer, torcer e xingar bastante (risos). Mas é uma emoção gostosa, é bom ver as meninas batalhando em campo, algo que fiz por tantos anos, e saber que a minha luta e a luta das pioneiras não foram em vão".

Formiga e Michael Jackon, na Casa Brasil, em Paris
Formiga e Michael Jackon, na Casa Brasil, em Paris Imagem: André Santana

As pioneiras como a geração de Michael Jackson, que Formiga depois integrou, ainda viveram os resquícios do período em que mulheres eram proibidas de jogar futebol, algumas quase foram presas.

"Não tínhamos apoio, nem uniformes, só tínhamos o nosso amor pelo futebol", lembra Michael Jackson.

"Tenho máximo respeito pelas pioneiras que cavaram esse espaço que hoje o futebol feminino tem no Brasil. Já passamos muito desrespeito por parte de dirigentes que diziam que a gente tinha que colocar as mãos para o céu porque já tínhamos um prato de comida", denuncia Formiga.

Copa do Mundo no Brasil: legado para o futuro das mulheres

Formiga demonstrou seu orgulho pelo Brasil sediar a Copa do Mundo de Futebol Feminino.

"Que a realização da Copa do Mundo no Brasil transforme a realidade do futebol feminino. Que todas as meninas tenham onde jogar, treinar e ser lapidadas. Porque ainda perdemos talentos por falta de os clubes estarem ajudando a base. Que cada um tenha sua base como tem no futebol masculino", espera a jogadora.

"Queremos que essa Copa do Mundo deixe um legado não só para o futebol, mas para o futuro de todos os esportes e da mulher no esporte. Um legado de respeito às mulheres, de um futuro sem machismo", torce Formiga.

Expectativa também compartilhada por Michael Jackson:

"Que as mulheres que queiram jogar futebol possam jogar e tenham espaços, nas escolas, universidades, nas esquinas, quadras. Esse é o maior legado que essa Copa pode deixar, e o futebol feminino não será mais o mesmo".

Formiga reclama da falta de prioridade do futebol feminino para os clubes brasileiros:

"Infelizmente, o machismo ainda está dentro dos clubes hoje. Aos poucos, estamos conquistando. Para mudar esse cenário, precisamos fazer mais jogos no Brasil com a seleção brasileira, e com os clubes chamando suas torcidas para os jogos do futebol feminino. Muitos não priorizam e nem falam do futebol feminino em seus posts em redes sociais. É preciso começar a priorizar e dar oportunidade para que a torcida saiba que o clube tem futebol feminino, e com certeza teremos torcida com a gente".

Esporte transformando a vida das mulheres negras

Ainda sobre a importância de atletas negras, como Bia Souza e Rebeca Andrade levarem o Brasil ao topo do pódio, as pioneiras comemoram:

"O esporte para a mulher negra é uma oportunidade. Porque o esporte transforma vidas. O Brasil precisa focar mais nisso e desenvolver esses talentos. Porque tudo para nós, mulheres negras, ainda é mais difícil e precisamos lutar sempre duas vezes mais", ressalta Michael Jackson.

"O esporte é transformador. A gente ter duas referências de mulheres negras sendo campeãs, do que jeito como são, isso vai influenciar outras meninas das comunidades de onde elas vieram, de onde eu vim, a acreditar e continuar sonhando. Veja a história dessas mulheres, é inspiradora. Cheia de dificuldades, mas quando chegam aqui dão o melhor. Então é respeitar o espaço das mulheres e saber que somos capazes de ganhar e fazer da mesma maneira que os homens, e mulheres pretas devem ter espaço em qualquer lugar", cobra Formiga.

Além das medalhas já conquistadas, o desempenho das mulheres nesta Olimpíada enche o Brasil de orgulho. Pela primeira vez na história, o Time Brasil conta com maioria feminina, com 153 mulheres, o que representa 55% do total de atletas brasileiros presentes em Paris.

Além dos recordes quebrados e dos pódios alcançados, mulheres como Michael Jackson, Formiga, Bia e Rebeca já superaram obstáculos ainda maiores: as barreiras do machismo e do racismo, que tentaram retirar delas as oportunidades de brilharem e serem vencedoras.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.