Mulheres afegãs que fogem de seu país por medidas discriminatórias podem ser refugiadas na França

Trata-se de uma inovação em termos de direitos de asilo. Numa decisão publicada na quinta-feira (11), o Tribunal Nacional de Asilo da França (CNDA) "reconhece o pertencimento de todas as mulheres afegãs a um grupo social suscetível de ser protegido como refugiado", indica o tribunal, em um comunicado de imprensa. 

Na prática, a decisão permite que todas as afegãs que fogem do seu país de origem devido às medidas discriminatórias tomadas contra elas pelo Talibã podem agora ser oficialmente reconhecidas como refugiadas porque são mulheres e vivem no Afeganistão.  

"Para ser protegida e considerada refugiada é preciso mostrar que ela é perseguida a título individual no seu país", explica em entrevista à RFI Hélène Souspios-David, diretora da associação França Terra de Asilo. "É uma decisão que nós aguardávamos e só podemos ficar contentes. As mulheres são consideradas como vítimas porque são mulheres no regime do Talibã e por isso que elas podem ser protegidas", reforça.  

Desde o seu regresso ao poder, em agosto de 2021, os talibãs "minaram" os "direitos e liberdades fundamentais das mulheres e meninas afegãs", em particular ao excluí-las do governo provisório, "bem como ao pôr em questão seu direito à saúde, à educação e a sua liberdade de ir e vir", observa a Corte Francesa. Estas "medidas discriminatórias graves" constituem "atos de perseguição", acrescenta. 

Souspios-David esclarece que esta sentença decorre de uma decisão europeia prévia, que reconhece que uma mulher pode ser considerada perseguida somente por ser mulher, mesmo que não tenha participado em nenhuma manifestação de rua contra o seu governo, por exemplo.  

Assim, a CNDA se alinha a uma decisão proferida em 16 de janeiro pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (UE), determinando que "as mulheres, no seu conjunto, podem ser consideradas como pertencentes a um grupo social" e reivindicar a condição de refugiada se "no seu país" de origem estiverem "expostas, devido ao seu sexo, à violência física ou mental". 

Jurisprudência

Para a ONG que apoia os requerentes de asilo e defende os seus direitos na França, esta "é uma mensagem forte, que reconhece uma realidade e vai gerar jurisprudência". Souspios-David acredita que, no futuro, "elas serão reconhecidas como refugiadas em novos pedidos de asilo, sem dificuldade. Isso traz um pouco de segurança para as que não conseguiram fugir", observa. 

No campo político, ela acredita que "a decisão deve ser considerada como o reconhecimento do perigo que é ser mulher no Afeganistão", para posterior proposição de soluções "a fim de proteger essas mulheres perseguidas no seu país".  

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Hélène Souspios-David ainda mostra como pode ser complicada a vida cotidiana das mulheres no Afeganistão. "Você não pode fazer quase nada sem estar acompanhada ou sem autorização de um membro da família. Estamos numa situação catastrófica em relação aos direitos mais básicos", denuncia.  "Para elas, é muito complicado fazer um pedido de visto. Isso é uma maneira de ajudar essas mulheres, ao facilitar esse processo", espera. "Estruturar programas de apoio", é outra necessidade, completa.   

Até agora, apenas mulheres que fugiam de um casamento forçado, jovens que temiam a excisão ou mulheres que escapavam de uma rede de prostituição podiam se beneficiar de proteção na França, devido ao seu pertencimento a um "determinado grupo social". O Afeganistão é o principal país de origem dos requerentes de asilo na França há cinco anos. 

Mexicanas e albanesas 

O Tribunal Nacional de Asilo considerou que as mulheres mexicanas e as mulheres albanesas "não poderiam, no seu conjunto, ser consideradas como pertencentes a um grupo social capaz de ser protegido como refugiadas". 

O México e a Albânia "adotaram um conjunto de instrumentos internacionais e legislação nacional para promover a igualdade de gênero e combater a violência sofrida pelas mulheres", avalia a Corte. 

De acordo com dados da ONU, em 2022, 736 milhões de mulheres sofreram violência sexual e/ou física pelo menos uma vez por parte de um parceiro íntimo, violência sexual fora do relacionamento ou ambas. 

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RFI, com agências

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