Em clima de 'já ganhou', Trump relembra atentado e prega união ao formalizar candidatura republicana

O ex-presidente Donald Trump voltou aos palcos na noite desta quinta-feira (19), pela primeira vez após a tentativa de assassinato sofrida no fim de semana, e utilizou todo o seu talento midiático para fazer o público se emocionar ao ouvir o relato do atentado. O clima de "já ganhou" toma conta da campanha republicana - enquanto, do lado dos democratas, a desistência de Joe Biden pode ser uma questão de tempo.  

Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

Em um momento quase teatral no encerramento da Convenção do Partido Republicano em Milwaukee, Donald Trump Trump se aproximou do manequim vestido com o uniforme do bombeiro, que simbolizava o homem morto durante o atentado no comício em Pensilvânia, e beijou carinhosamente o capacete dele.

"Há alguns dias, a minha viagem com vocês quase acabou. Mas nós estamos aqui, esta noite", disse. "Havia muito sangue, mas mesmo assim, de alguma forma, eu me sentia em segurança, porque Deus estava do meu lado."

Trump aceitou formalmente a indicação do partido para ser o candidato à presidência. Ele adotou um tom moderado para pedir a união dos americanos, no que parecia ser um discurso mais contido do que de costume. Mas não demorou para que o ex-presidente elevasse o tom ao falar sobre imigração e lembrar que, durante seu governo, o número de pessoas cruzando a fronteira sul ilegalmente era menor. Trump citou Viktor Orban, da Hungria, como exemplo de um líder que não mede esforços para defender suas fronteiras.

As críticas aos democratas também não demoraram. Citando a ex-presidente da Câmara dos Representantes Nancy Pelosi, ele acusou os membros do partido de utilizarem a desculpa do "vírus chinês" para roubar as eleições de 2020. Trump também voltou a dizer que durante seu período na Casa Branca nenhuma guerra foi iniciada e que ele é capaz de acabar com um conflito com apenas um telefonema.

Outro alvo foi a política ambiental do atual presidente. O republicano criticou os veículos elétricos e os gastos do atual governo para construir infraestruturas que viabilizem a sua utilização.

Com a intenção de se posicionar como um homem de família, o magnata não deixou de mencionar a esposa Melania, que fez uma rara aparição pública na convenção. Trump agradeceu pela carta pública escrita por ela no dia seguinte do atentado em que ele quase perdeu a vida.

Campanha deseja projetar Trump como um homem de família

A tentativa de assassinato sofrida por Trump gerou no Partido Republicano - ou, ao menos, na ala que apoia a candidatura do ex-presidente - uma enorme confiança na vitória em novembro. Durante essa semana em Milwaukee, alguns dos delegados compareceram ao evento usando um falso curativo na mesma orelha ferida de Trump. A homenagem e os outros diversos souvenirs reproduzindo a cena pós-atentado, em que Trump ergue o punho cerrado rodeado por agentes do serviço secreto, confirmam que o evento aproximou o ex-presidente da figura de mártir.

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"Teremos uma vitória incrível e começaremos os quatro maiores anos da história do nosso país", prometeu o candidato.

Seguindo a mesma narrativa, os discursos de seus familiares e aliados buscam construir a imagem de um homem de família atencioso e um presidente altruísta, que foi injustamente difamado por seus opositores democratas. Segundo diversos oradores que passaram pelos palcos da convenção, ao taxar Trump como "um ditador", os democratas acabaram por incitar o discurso de ódio que resultou na tentativa de assassinato contra ele.

Essa retórica tem um grande apelo entre os seguidores republicanos, mas resta saber se ela vai funcionar também com os eleitores indecisos, que afirmam não votar em Trump devido a polêmicas envolvendo sua personalidade. Neste sábado (20), o ex-presidente fará seu primeiro comício ao lado do recém-nomeado candidato a vice-presidente, o senador J.D.Vance, em Michigan. Este será um teste para saber se este perfil mais conciliador do candidato vai durar além da convenção.

O papel do vice J.D.Vance

Com um grande apelo populista, a principal missão de Vance será atrair o voto da classe trabalhadora e daqueles homens e mulheres do interior do país que se sentem esquecidos pelo governo democrata. Por isso, em seu primeiro discurso após a nomeação, Vance fez questão de resgatar a sua história pessoal.

Remontando às suas origens no Appalachia, uma região com um índice de pobreza superior à média americana, ele relembrou sua mãe ex-viciada em drogas e a superação de ter chegado à prestigiosa universidade de Yale, sempre com o apoio da avó. Com a narrativa pessoal, Vance conseguiu utilizar as suas raízes para justificar sua visão econômica e nacionalista.  

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Vance, que segue a linha antissistema de Trump, criticou Wall Street e as "corporações multinacionais". Ele saudou o ex-presidente como um homem que "defenderá as empresas americanas" e os trabalhadores "sindicalizados e não sindicalizados". Prometeu aumentar os salários e combater a China no mercado global, além de obrigar países em conflito a pagar a conta pelo envio de ajuda militar e financeira concedida pelos Estados Unidos.

Um eleitorado indeciso que ficou fora do escopo de Vance são as mulheres suburbanas, já que as propostas dele sobre temas de saúde reprodutiva, em especial o aborto, são ainda mais extremas do que as de Trump.

Debate dos candidatos a vice

A realização de um debate entre a vice-presidente democrata Kamala Harris e o candidato republicano a vice J.D. Vance foi acertado durante a primeira conversa entre os dois, ocorrida na terça-feira (16).

No entanto, não há uma data definida, já que Kamala havia concordado em participar de um debate promovido pela CBS News no dia 23 de julho ou 13 de agosto. Por seu lado, Trump aceitou essas mesmas datas, em nome de seu companheiro de chapa que ainda não havia sido definido, porém quer que o debate seja realizado pela Fox News - proposta rejeitada pela equipe democrata.

Enquanto isso, o presidente Joe Biden está sendo pressionado como nunca a abandonar a candidatura a reeleição, depois de ser obrigado a paralisar a agenda de campanha ao ser diagnosticado com Covid-19. Nomes importantes do partido, como Barack Obama, já se pronunciaram a favor da desistência da candidatura à reeleição de Biden.

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Em um artigo publicado pelo jornal "The New York Times" no final da tarde desta quinta-feira, fontes próximas ao presidente disseram que ele teria começado a aceitar a ideia de que não será capaz de vencer em novembro e pode ter de desistir da corrida eleitoral. Uma das pessoas próximas a ele disse que "a realidade está se estabelecendo" e que não seria uma surpresa se Biden fizesse um anúncio em breve endossando a vice-presidente Kamala Harris como sua substituta.

"Agora, parece ser uma questão de quando - e não se Biden abandonaria", era a mensagem repetida nos principais meios de comunicação do país.

Poucas horas antes da publicação do Times, uma conversa de Barack Obama com amigos dizendo que o caminho de Biden para a vitória é estreito também foi revelada. Além dele, a ex-presidente da Câmara de Deputados, Nancy Pelosi, teria dito ao próprio Biden, em uma conversa privada, que o partido democrata poderia perder a capacidade de assumir o controle da Câmara se ele não se afastasse da corrida eleitoral de 2024.

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