Saiba por que atletas com deficiência intelectual representam apenas 5% de participantes em Jogos Paralímpicos

Cerca de 4.400 atletas com deficiência vão participar da 17ª edição dos Jogos Paralímpicos, que começa em Paris nesta quarta-feira (28) e vai até 8 de setembro. Os portadores de deficiência intelectual representam apenas 5% dos esportistas presentes nos Jogos, apesar dos esforços de diversas entidades e organizações para aumentar sua participação.

Nesta edição dos Jogos Paralímpicos participam apenas 120 atletas com deficiência intelectual entre os 4.400 competidores com deficiência motora ou sensorial, o mesmo número de Tóquio 2021. Como já é tarde demais para Paris 2024, as federações esportivas e o Comitê Paraolímpico Internacional (CPI) miram em Los Angeles 2028 para melhorar esta marca.

No entanto, elas enfrentam vários problemas como processos longos, falta de visibilidade e, portanto, de recursos financeiros e o fato de os atletas estarem integrados numa única classe - "deficiência intelectual" - ao contrário dos outros concorrentes com deficiência física.

"A dificuldade é que temos apenas uma classe abrangente, a dos deficientes intelectuais, que, na verdade, exclui as pessoas com deficiência intelectual e deficiências adicionais", explica Marc Truffaut, presidente da Federação Francesa responsável pelo esporte adaptado para pessoas com deficiência intelectual.  

A elegibilidade do atleta é baseada em vários testes e o quociente de inteligência (QI) do esportista deve ser menor ou igual a 75, o que determina a deficiência intelectual, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Primeiros Jogos em 1996 antes de suspensão

O caminho para a inclusão dos atletas com deficiência intelectual sempre foi tortuoso. Os primeiros Jogos Paralímpicos foram realizados em Roma, em 1960, mas foi somente em 1996, em Atlanta, que pessoas com deficiência intelectual foram finalmente representadas.

Mas este impulso para a inclusão durou pouco, após um escândalo envolvendo a equipe espanhola de basquete nos Jogos de Sydney, em 2000. Depois dos espanhóis ganharem a medalha de ouro, foi revelado que dez dos 12 jogadores que alegavam ter deficiência intelectual eram, na verdade, fisicamente aptos.

O caso levou à exclusão total dos esportistas com deficiência intelectual. "Ainda estamos pagando o preço dessa trapaça. Foi o início da participação de atletas com deficiência intelectual no movimento paralímpico e, de repente, parou. Não punimos apenas os responsáveis, sancionamos todos", lamenta o presidente da federação francesa.

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Na sequência desta exclusão, vários organismos, incluindo a Federação Internacional de Esportes Adaptados (Virtus) e a sua filial francesa, tiveram de desenvolver, normalizar e reforçar o sistema de elegibilidade e classificação das deficiências. Um trabalho de longo prazo que levou à decisão do Comitê Paralímpico, em 2009, de reintroduzir estes atletas aos Jogos Paralímpicos.

O retorno efetivo ocorreu em Londres em 2012, com apenas três modalidades abertas aos Jogos: três provas no atletismo, três de natação e apenas uma no tênis de mesa.

"Há um desejo do CPI de ter mais testes para pessoas com deficiência intelectual. Só que existe uma espécie de número fechado no âmbito dos Jogos Paralímpicos que é definido pelo Comitê Internacional", continua Marc Truffaut. "A questão é convencer as federações internacionais, que são quem decide", diz.

Durante 12 anos, os atletas com deficiência intelectual demonstraram um nível de desempenho muito elevado, dando legitimidade a este pedido. Mas o processo é longo. Os atletas que treinam agora e se manifestam pela participação não serão necessariamente aqueles que poderão se beneficiar e participar dessas grandes competições.

"O Comitê Internacional, que determina o número de atletas presentes nos Jogos Paralímpicos, se opõe à criação de uma categoria adicional. Para acrescentar uma, seria necessário eliminar um tipo de deficiência [física] ou um evento", especifica Jean-Pierre Garel, pesquisador associado ao laboratório de Culturas-Educação-Sociedades da Universidade de Bordeaux.

Atletas com síndrome de Down ausentes dos Jogos

Como só existe uma classe de "deficiência intelectual" vigente, atletas com deficiência intelectual e deficiências adicionais, como síndrome de Down, por exemplo, simplesmente não podem participar. "Os atletas de alto nível com síndrome de Down exigem, há muitos anos, uma classificação específica adaptada à sua situação", indica Jean-Pierre Garrel.

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A nadadora francesa Marie Graftiaux é um exemplo. Apesar de um histórico impressionante - coroada campeã mundial nos 200m borboleta, nos 100m borboleta com recorde mundial e nos 200m peito este ano - a atleta só participará dos Jogos Paralímpicos de Paris como voluntária. Como único prêmio de consolação, ela será portadora da tocha na cerimônia de abertura.

Em 2023, Garftiaux, de 29 anos, conquistou o título de campeã mundial nos 400m medley nos Virtus Global Games, campeonato para atletas com deficiência intelectual.

A competição organizada na França no ano passado acolheu cerca de mil atletas de 44 países.

Ao contrário das Paralimpíadas, existem três classes para distinguir os atletas com base na sua deficiência: pessoas com deficiência intelectual, pessoas com síndrome de Down e pessoas com transtorno do espectro autista.

"Se tivéssemos essas três classes nos Jogos Paralímpicos, isso permitiria a participação de um número maior de pessoas", enfatiza Marc Truffaut. Principalmente porque os Virtus Global Games servem de qualificação para as Paralimpíadas.

Futuro 

A Federação Internacional Virtus solicitará a inclusão do basquete 3x3 nos próximos Jogos Paralímpicos de 2028 e demais modalidades individuais. Quanto aos Jogos de Inverno, ainda há muito por fazer.

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Atletas com deficiência intelectual não vão estar presentes nos Jogos Paralímpicos da Itália, em 2026. Agora, o desafio é convencer a Federação Internacional de Esqui para os Jogos dos Alpes Franceses em 2030. As discussões estão em andamento, segundo o presidente da Federação Francesa de Esportes Adaptados. "Podemos trabalhar ao lado deles e disponibilizar nosso conhecimento. Você tem que confiar nos atletas", insiste.

Mas ainda há preconceitos a serem desconstruídos. A Federação Internacional de Esqui considera perigoso que uma pessoa com deficiência intelectual ande de teleférico. "Estamos ainda neste nível" da discussão, lamenta Marc Truffaut. "Os atletas se preparam e são reconhecidos como atletas de alto nível na França. Isso é uma desculpa, não é um argumento", diz.

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