Commonwealth deve 'reconhecer passado doloroso', diz rei Charles do Reino Unido sobre reparação a ex-colônias

O rei Charles III do Reino Unido, em viagem pelos países do Pacífico, disse na sexta-feira (25) que o Commonwealth deve reconhecer a sua história "dolorosa". O monarca tem de enfrentar o passado colonial da Grã-Bretanha e as crescentes exigências de reparações na cúpula da organização. Muitos países-membros africanos e caribenhos pedem reparações pelo papel do Reino Unido na colonização e no tráfico de pessoas escravizadas.

O monarca participa da cúpula que reúne líderes dos 56 estados-membros do Commonwealth, nas Ilhas Samoa, no Pacífico Sul, com o objetivo de modernizar esta organização herdada do Império Britânico.

Mas as discussões sobre o combate às mudanças climáticas, no centro da agenda do evento, foram ofuscadas pela história, na primeira cúpula com a presença de Charles III como rei.

Muitas nações de África, do Caribe e do Pacífico querem que a Grã-Bretanha ? e outras potências europeias ? paguem compensações financeiras pela escravidão ou pelo menos façam reparações políticas.

É hora de o Commonwealth buscar "justiça" para o período brutal de escravidão sofrido por muitos países do grupo, disse o primeiro-ministro das Bahamas, Philip Davis, na sexta-feira.

"Chegou a hora de iniciar um diálogo real sobre como reparar esses erros históricos", convocou Davis.

O grupo originalmente formado por ex-colônias britânicas posteriormente se expandiu com a entrada de países como Togo e Gabão, duas ex-colônias francesas.

Restaurar o passado no presente

Os participantes esperam que a cúpula se comprometa a abrir uma discussão sobre o assunto, um debate que o Reino Unido até agora tentou evitar.

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"A justiça restaurativa não é uma conversa fácil, mas é importante", disse Davis à AFP. "Nossa história está profundamente interligada, o que traz a responsabilidade de enfrentar o passado com honestidade (...) Os horrores da escravidão deixaram feridas profundas e geracionais nas nossas comunidades, e a luta pela justiça e pela justiça restaurativa está longe de terminar", disse ele.

A família real britânica, que durante séculos beneficiou do comércio de escravos, também foi convidada a pedir desculpas. Mas o monarca absteve-se de fazê-lo na sexta-feira, pedindo aos participantes da cúpula que "rejeitem a linguagem da divisão".

"Eu entendo, ouvindo as pessoas em todo o Commonwealth, que os aspectos mais dolorosos do nosso passado continuam a ressoar", disse ele. "Nenhum de nós pode mudar o passado, mas podemos nos comprometer, de todo o coração, a aprender com ele e a encontrar formas criativas de corrigir as desigualdades que persistem."

Um projeto de comunicado comum, fazendo um apelo para um debate sobre o colonialismo, está no centro das negociações. Os países desenvolvidos tentaram suavizar os termos do comunicado final, disse uma fonte diplomática à AFP sob condição de anonimato.

Joshua Setipa, do Lesoto, um dos três candidatos que disputam o cargo de secretário-geral da Commonwealth, disse que as reparações poderiam incluir formas alternativas de pagamento, como o financiamento da luta contra as alterações climáticas.

"Podemos encontrar uma solução que nos permita enfrentar certas injustiças do passado e colocá-las no contexto que nos rodeia hoje", disse ele à AFP antes do encontro.

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Primeiro-ministro rejeita reparação

Para Virginie Roiron, professora de civilização britânica no Instituto de Estudos Políticos de Estrasburgo, na França, o Commonwealth não pode ser resumido apenas a seu passado colonial, "ainda que esta realmente seja uma questão que está em destaque, e sempre esteve. Atualmente estão em questão as reparações, mas no passado foi a questão da segregação na África do Sul", relembra. 

Ela destaca que o rei Charles já lançou e apoiou iniciativas de historiadores para pesquisar sobre o passado colonial da monarquia e a relação com a escravidão. "A margem de manobra de Charles é muito estreita no tema, porque ele é, ao mesmo tempo, chefe de estado do Reino Unido. Então ele não pode pedir desculpas em nome da monarquia sem comprometer o Reino Unido. Isso deve ser feito em acordo com o governo", diz a especialista no Commonwealth. 

Nesse sentido, o primeiro-ministro britânico deixou clara sua posição. Keir Starmer rejeitou os pedidos de reparações e recusou-se a pedir desculpas pelo papel histórico do país, ao mesmo tempo que afirmou estar pronto para dialogar com os líderes que o desejarem.

O diário britânico The Guardian, citando uma fonte do gabinete de Keir Starmer, informou na quinta-feira (25), que o primeiro-ministro tinha "aberto a porta a reparações não financeiras", como a reestruturação de instituições financeiras e a renegociação da dívida.

Charles III encerra sua viagem de 11 dias pela Austrália e Samoa, dois estados independentes do Commonwealth, no sábado. Esta é sua primeira grande viagem ao exterior desde o anúncio de que o monarca tinha câncer no início do ano.

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(RFI e agências)

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