"O que aconteceu?": campo democrata reage com decepção e incompreensão à derrota de Harris

Com uma diferença de votos muito maior do que previam as pesquisas, o republicano Donald Trump venceu as eleições presidenciais americanas, suscitando incompreensão e decepção no campo democrata. Os primeiros resultados foram divulgados logo após o encerramento da votação e a vitória foi confirmada na madrugada desta quarta-feira (6).

Daniella Franco, enviada especial da RFI a Boston

A capital do Massachusetts amanheceu sob surpresa e frustração. "O que aconteceu?", pergunta o título do editorial do principal jornal da região, o Boston Globe. Nas ruas da cidade, os eleitores expressam choque e desânimo. Em um dos Estados mais progressistas do país, a candidata democrata, Kamala Harris, obteve mais de 61% dos votos, contra 36% para Trump. Mas o cenario não se repetiu na maioria dos Estados.

A desilusão tomou conta do campo democrata desde o início da contagem dos votos, dominada por Trump a partir do fechamento das seções eleitorais, na noite de terça-feira (5). Agora, a decepção se transforma em indignação. 

Nas redes sociais americanas, militantes progressistas expressam revolta com uma campanha agora considerada falha. "Eles se sentem traídos", afirma um representante do Comitê Nacional Democrata (DNC), que dirige a legenda.

O presidente da organização, Jaime Harrison, é o principal responsabilizado pela derrota de Harris por ter defendido a permanência do presidente americano, Joe Biden, na corrida à Casa Branca. A apenas quatro meses das eleições, a vice foi designada para assumir a disputa e chegou a dar um novo fôlego à campanha democrata, mas não o suficiente para responder às principais preocupações do eleitorado: a imigração e a economia.

Falha de diagnóstico

Lucas de Souza Martins, professor de História americana, na Temple University, na Filadélfia, aponta que os democratas apostaram em uma narrativa antiga, da preservação da democracia, quando a principal preocupação do eleitorado americano é hoje a economia. "A falha de diagnóstico por parte dos democratas de compreender qual é a linguagem que o eleitor gostaria de ouvir explica de uma certa maneira a derrota de Kamala Harris", avalia.

Segundo Martins, os democratas falharam em apresentar mudanças na economia que pudessem interessar a população. "Em um cenário em que a inflação continua a ser um dos principais receios do eleitor médio americano, a oposição aparece naturalmente em um lugar que está privilegiada, dizendo que pode oferecer algo muito melhor em relação ao que já existe".

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Resultados inesperados

As últimas pesquisas de intenção de votos traziam previsões de resultados extremamente apertados, com Harris chegando a dominar a média das sondagens no cenário nacional e até em alguns Estados-pêndulo. No entanto, nas urnas, a preferência por Trump falou mais alto.

Na madrugada desta quarta, o republicano já era dado como vencedor na Carolina do Norte, Geórgia e Pensilvânia. Nas horas seguintes, Trump consolidou a vitória no Michigan e Wisconsin. Os votos continuavam sendo contabilizados nesta tarde no Arizona e em Nevada, mas sem chances de vitória para Kamala. "Não se esperava que nenhum dos dois candidatos tivesse a possibilidade de vencer em todos os Estados-pêndulo, como aconteceu com Trump", observa o professor da Temple University.

Martins também chama atenção para uma nova tendência que apareceu nessas eleições, a vitória dos republicanos por meio do voto popular. A última vez que os conservadores venceram uma eleição presidencial não apenas no Colégio Eleitoral, mas também no voto do eleitor, foi em 2004, com George W. Bush.

"Normalmente observávamos uma dificuldade considerável dos republicanos para vencer no voto popular. Isso mostra que o 'trumpismo' tem uma força não somente local, nos Estados-pêndulo, mas também tem uma força nacional que foi capaz novamente de levá-los à Casa Branca", conclui.

Na tarde desta quarta-feira Trump contabilizava quase 72 milhões de votos e Kamala Harris mais de 67 milhões. A apuração das urnas segue em curso.

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