Ilusão marca primeiras reações de Brasília ao triunfo de Trump
A vitória graúda de Donald Trump na sucessão presidencial dos Estados Unidos deixou o governo Lula zonzo. As primeiras manifestações de autoridades graduadas de Brasília destoaram da realidade. Foram tisnadas pela marca da ilusão.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) avaliou que "o dia amanheceu mais tenso", pois Trump disse na campanha "coisas que causam apreensão no mundo inteiro." Enxergou, porém, motivos para otimismo na primeira manifestação formal do eleito. "Já é um discurso mais moderado do que a campanha", declarou.
Celso Amorim, o assessor internacional do Planalto, também soou otimista ao afirmar numa entrevista ao Valor que acha possível que Lula mantenha com Trump "uma relação normal". Lembrou o pragmatismo que embalou o relacionamento de Lula nos seus dois primeiros mandatos com o então presidente americano Gerge W. Bush.
A moderação que Haddad detectou no discurso inaugural do presidente eleito tem muita semelhança com Papai Noel. Assim como o bom velhinho, um Trump moderado é ficção. Retornou à Casa Branca um criminoso condenado, já indiciado por tentar melar a eleição anterior e às voltas com inéditas pendências judicias.
O novo Trump é idêntico ao velho. Haddad talvez não tenha prestado atenção ao trecho do discurso em que o personagem disse coisas assim: "Os Estados Unidos nos deram um mandato poderoso e sem precedentes". Ou assim: "Vou governar com um lema simples: promessas feitas, promessas mantidas."
No palanque, Trump prometeu vingar-se de opositores, livrar-se de servidores públicos incônmodos, deportar milhões de imigrantes e fechar a economia dos Estados Unidos. Deixou claro que usará sua segunda Presidência como um meio para a realização dos seus fins autocráticos.
Submetido a essa plataforma distópica, o eleitor americano disse "sim". Supor que Trump vai descumprir o que prometeu é um flerte com o ilusório. Sobretudo quando são levados em conta os flashbacks alucinantes da administração anterior, a maioria conquistada no Congresso e o salvo conduto já concedido em julho por uma Suprema Corte de viés conservador que deu ampla imunidade às ações de Trump na Presidência.
É verdade que Lula relacionou-se muito bem com Washington em seus mandatos anteriores. Mas Celso Amorim esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer—que a diferença da conjuntura é abissal. George W. Bush era um presidente conservador que tinha apreço pela democracia. Trump é um político arcaico e antidemocrático. Aquele Partido Republicano da era Bush não existe mais. Foi pulverizado por Trump.
Considerando-se o protocolo, Haddad e Amorim talvez não pudessem declarar em público nada além do que disseram. O próprio Lula, que na véspera tornara pública sua torcida por Kamala Harris, foi compelido pelas circunstâncias a parabenizar o eleito numa postagem nas redes sociais.
Lula anotou no seu post que o mundo precisa de "diálogo e trabalho conjunto". Certo, muito certo, certíssimo. Mas ninguém ignora que a reviravolta americana jogou água no chope das duas principais ações do governo brasileiro na política externa.
O negacionismo ambiental de Trump esvazia a COP30, que ocorrerá em Belem, no final do ano que vem. Acertos da cúpula do G20, marcada para meados deste mês de novembro, tendem a ser solenemente desprezados por Trump. Ignorar os fatos infelizmente não fará com que a nova realidade desapareça.
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