Protestos pró-Europa se espalham pela Geórgia na véspera de eleição indireta para presidente

As manifestações pró-europeias se intensificaram e se espalharam na última madrugada pela Geórgia, às vésperas da eleição indireta do novo presidente no sábado (14). A população foi às ruas em mais de 40 cidades.

Situado no Cáucaso, o país está em crise desde as eleições legislativas de 26 de outubro, vencidas pelo partido no poder, o Sonho Georgiano, mas contestadas pela oposição pró-europeia, que as considera repletas de irregularidades.

No final de novembro, a decisão das autoridades de adiar para 2028 os planos do país de integrar a UE, um objetivo inscrito na constituição, provocou a revolta, gerando manifestações com episódios de violência, iniciadas há três semanas.

No centro de Gori, a uma hora e meia da capital Tbilissi, apesar da temporada turística, com grupos de russos e chineses nas ruas, a situação política provoca polarização de opiniões. "A crise dividiu famílias, até casais, e é uma situação complicada que afeta a todos", diz Janna Adiashvilli, ativista de 31 anos, à enviada especial da RFI Anissa El Jabri.

"Eu sempre falo livremente o que penso e comunico minhas opiniões. Sempre tentei dialogar com pessoas que sei que não pensam como eu, e sei bem que cada um tem o direito de pensar o que quiser. Mas hoje, para mim, não é uma questão de opinião. Estamos decidindo o futuro deste país. E eu estou 100% convencida de que fiz a escolha certa, porque estou ao lado da Geórgia livre", acrescenta Adiashvilli.

Em Tbilissi e na cidade de Batumi, à beira do Mar Negro, alguns habitantes trocaram as decorações da árvore de Natal da prefeitura por fotos de manifestantes agredidos, com rostos inchados.

Os manifestantes afirmam estar determinados a fazer o governo ceder, acusando-o de uma deriva autoritária pró-russa.

Protestos continuam

Uma dúzia de protestos estavam previstos para esta sexta-feira na capital Tbilisi, e a manifestação diária à noite deve se estender novamente pela madrugada.

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Espera-se um novo pico de tensões no sábado, quando o Sonho Georgiano pretende eleger à presidência do país o ex-jogador de futebol de extrema direita Mikheïl Kavelachvili, uma figura leal ao governo.

Um protesto já foi marcado para sábado de manhã em frente ao Parlamento, onde um colégio eleitoral controlado pelo partido deve elegê-lo em uma votação boicotada pela oposição.

"Plano global russo"

A presidente atual, Salomé Zourabichvili, que possui poderes limitados, mas está em ruptura com o governo e apoia os manifestantes, anunciou que se recusará a entregar seu mandato até que novas eleições legislativas sejam realizadas.

Para ela, tudo começou com as eleições, "que foram obviamente o alvo de uma operação especial muito sofisticada, que vai muito além de tudo o que conhecemos aqui como fraude parcial e pontual", disse em entrevista exclusiva à RFI.

"E quando olhamos isso no contexto do que aconteceu na Romênia depois ou o que aconteceu na Moldávia antes, entendemos que há um plano global da Rússia, que é a intervenção eleitoral, em vez da intervenção militar. Isso tem um custo menor, e são áreas nas quais a Rússia se aperfeiçoou nos últimos anos", aponta Zourabichvili.

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Repressão 

Nas duas primeiras semanas de manifestações, a polícia usou gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar os protestos diários, que reuniram milhares de pessoas. Manifestantes usaram fogos de artifício.

Mais de 400 manifestantes foram detidos, segundo números oficiais. Vários casos de violência policial contra manifestantes e jornalistas foram documentados por ONGs e pela oposição, uma repressão condenada pelos Estados Unidos e pelos europeus.

O Sonho Georgiano acusou os manifestantes e a oposição de serem responsáveis pela violência, destacando que os protestos estavam mais tranquilos há vários dias, enquanto as operações policiais resultaram na apreensão de grandes quantidades de fogos de artifício.

Na sexta-feira, Washington anunciou a imposição de sanções a cerca de 20 pessoas acusadas de "minar a democracia" na Geórgia, incluindo ministros em exercício e parlamentares.

Ainda não eleito, o ex-jogador de futebol Mikheïl Kavelachvili já vê sua legitimidade questionada por especialistas em direito constitucional, especialmente por um dos autores da constituição georgiana, Vakhtang Khmaladzé.

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Isso porque o parlamento ratificou os mandatos dos eleitos, contrariando a lei que exigia aguardar a decisão judicial sobre o pedido de Salomé Zourabichvili de anular os resultados das eleições de outubro.

Crise sem precedentes

"A Geórgia enfrenta uma crise constitucional sem precedentes", afirmou Vakhtang Khmaladzé à AFP, acrescentando que "o país se encontra sem parlamento nem poder executivo legítimos. E o próximo presidente será igualmente ilegítimo".

A conversa telefônica de quarta-feira entre o presidente francês Emmanuel Macron e Bidzina Ivanichvili, presidente honorário do partido Sonho Georgiano, ilustra essa confusão institucional: para pedir a libertação de todos os manifestantes pró-UE detidos, Macron ligou para o homem forte da Geórgia, em vez de contactar o primeiro-ministro Irakli Kobakhidzé.

Para os georgianos que protestam nesta sexta-feira em Tbilisi, a eleição de sábado não mudará nada. Mikheïl Kavelachvili "será eleito e nós vamos continuar protestando", afirma Mariam Kevlishvili, com um apito rosa e a bandeira da Geórgia ao redor do pescoço. Para essa mulher de 28 anos, "a violência só vem do governo", que será "responsável por tudo o que acontecer".

(Com RFI e AFP)

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