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Milei e Lula devem parar de 'mimimi', diz ex-embaixador sobre militar preso

Milei e Lula, no G20, posaram para foto sem sorrisos Imagem: Ricardo Stuckert/PR

Márcio Resende;em Buenos Aires;

19/12/2024 10h30

A ausência da "diplomacia presidencial" entre os presidentes Javier Milei e Lula tem dificultado a ajuda do Brasil para a Argentina no episódio de um militar argentino preso arbitrariamente na Venezuela. O Brasil tem a representação consular da Argentina na Venezuela, mas, apesar disso, tem cumprido um papel meramente burocrático.

"Milei e Lula precisam parar de encher o saco com esse 'mimimi' porque estamos falando de assuntos muito mais importantes do que os egos pessoais dos dois presidentes. Milei tem de pegar o telefone e ligar diretamente para Lula e pedir ajuda. É a única alternativa para liberarem o militar argentino", indica Diego Guelar, quem tem liderado um movimento diplomático de aproximação pessoal entre Milei e Lula.

A recente prisão na Venezuela do cabo primeiro argentino, Agustín Gallo, evidenciou a consequência do vácuo na relação entre Brasil e Argentina, provocada pela ausência da chamada "diplomacia presidencial", capaz de superar as situações que a burocracia diplomática não pode atender eficazmente.

"A diplomacia presidencial é central na relação entre Estados. É óbvio que, se os presidentes não se vincularem, ninguém vai mexer um papel. A má relação entre Milei e Lula paralisa as gestões e dificulta uma ajuda que, a esta altura, seria a única alternativa da Argentina", explica à RFI Diego Guelar, ex-embaixador da Argentina no Brasil, na União Europeia, na China e duas vezes nos Estados Unidos.

Há 11 dias, em 8 de dezembro, Agustín Gallo, de 33 anos, foi preso ao tentar entrar no território venezuelano pela fronteira terrestre com a Colômbia. Gallo é um cabo da Gendarmeria argentina, uma Polícia do Exército nos moldes da 'Gendarmerie' francesa.

Agustín vivia com a esposa e com um filho pequeno na Argentina, mas, há sete meses, a esposa dele, uma venezuelana, voltou ao país natal para cuidar da mãe. Agustín tirou licença para visitar a esposa e o filho na Venezuela. Para baratear a viagem, viajou à Colômbia. Atravessou a ponte internacional a pé em direção a Táchira, na Venezuela. Na fronteira, apresentou todos os documentos requeridos, mas foi preso.

A prisão só foi difundida cinco dias depois, desencadeando uma série de acusações e de ameaças entre Argentina e Venezuela. Até agora, não se sabe onde o militar argentino está preso. Teme-se que esteja no Helicoidal, considerado um centro de prisão e tortura do regime de Nicolás Maduro.

Acusações cruzadas

Para o governo argentino, a prisão é "arbitrária e injustificada", uma "violação dos direitos fundamentais". Já a Venezuela começou alegando que, na verdade, a visita do militar preso à esposa e ao filho era uma mera fachada para uma missão de espionagem.

Na terça-feira (17), o chanceler venezuelano, Yván Gil, mudou essa versão. Disse que o militar argentino entrou na Venezuela como um "infiltrado" com "um plano terrorista". Acrescentou que o governo argentino cometeu "um grave erro" e que deixou "inúmeras provas físicas" desse plano terrorista. Porém, até agora, não apresentou nenhuma dessas provas.

O presidente argentino, Javier Milei, classificou a prisão como "um sequestro ilegal" por parte do "ditador criminoso, Nicolás Maduro".

Buenos Aires e Caracas não têm mais relações diplomáticas desde agosto, quando Javier Milei condenou a fraude nas eleições presidenciais da Venezuela, de 28 de julho, e reconheceu a vitória do opositor, Edmundo González.

Em resposta, Nicolás Maduro expulsou os diplomatas argentinos do país e, desde 1º de agosto, a representação consular da Argentina na Venezuela é de responsabilidade do Brasil.

Pedido de ajuda da Argentina ao Brasil

Por ser representada na Venezuela pelo Brasil, a Argentina pediu ajuda ao governo brasileiro. A Embaixada da Argentina em Brasília encaminhou uma carta ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O Itamaraty, por sua vez, falou com a Embaixada do Brasil em Caracas. A representação brasileira encaminhou uma consulta sobre a situação do argentino ao Ministério das Relações Exteriores da Venezuela.

A relação entre Brasil e Argentina entrou na "era do gelo" desde que Javier Milei chegou à Presidência e deparou-se com Lula, a quem classificou como "corrupto e comunista" e a quem não perdoa por ter se intrometido na corrida eleitoral argentina, advertindo sobre "o risco que a Democracia na Argentina corria ao eleger a extrema-direita".

Lula exige que Milei peça perdão, enquanto Milei acha que quem deve pedir desculpas é Lula.

"Os dois têm de parar de 'encher o saco' com essa infantilidade. Ninguém diz que devem ser amigos nem que devem ter a mesma ideologia. Mas o assunto tem um grau de gravidade que requer que o presidente Milei pegue no telefone, fale com Lula e peça a intervenção pessoal de Lula com Nicolás Maduro. O Brasil é o canal com a Venezuela que a Argentina hoje não tem. Não temos outra via de negociação. Eu tenho certeza de que Lula, fora a relação pessoal com Milei, honraria a relação com a Argentina e encararia essa negociação", aposta Diego Guelar em entrevista com a RFI.

"Coincidentemente, a prisão desse militar tem um aspecto positivo: pode ativar a relação entre Milei e Lula. É uma oportunidade desgraçada, mas é uma oportunidade para construir um novo capítulo. Se Lula for bem-sucedido, exibirá a conquista como um sucesso", acredita Guelar.

Terceiros países

Sem contar com o envolvimento direto de Lula, a Argentina tem tentado outras vias com outros países, mas a ajuda brasileira seria a principal porque o Brasil tem a representação formal dos interesses argentinos.

"Por isso, o Brasil deveria encarar esse assunto como próprio, como se o militar fosse seu. Não apenas transitar o caminho da burocracia diplomática", aponta Guelar.

O governo argentino abordou o assunto com a Colômbia e com a França. Por sua vez, a família do militar, através do governador de Catamarca, província natal do preso, enviou uma carta ao Papa.

A Chancelaria argentina também começou a falar com os referentes em política externa do presidente eleito Donald Trump, que assume o cargo no próximo 20 de janeiro.

A Colômbia tentou também abrir uma negociação com o regime de Nicolás Maduro, com foco nos seis venezuelanos asilados na Embaixada da Argentina em Caracas, sob a responsabilidade do Brasil.

Vários países têm pedido um salvo-conduto para esses seis asilados, todos ex-colaboradores da líder opositora María Corina Machado.

Essas pessoas têm sofrido um assédio permanente por parte do regime de Nicolás Maduro. Estão sem abastecimento de água e de energia elétrica, padecem restrições para a entrada de alimentos e convivem com a intimidação das forças de segurança do regime venezuelano.

Moeda de troca

Para a Argentina, o governo de Nicolás Maduro quer obter uma moeda de troca. A ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, diz que "Nicolás Maduro quer acumular reféns estrangeiros, inclusive turistas, para trocar por outros presos que interessam ao regime".

Nesse sentido, segundo a ministra, o militar argentino é um "prisioneiro de guerra".

Um exemplo foi o caso de Alex Saab, um empresário colombiano a serviço do regime venezuelano. Foi preso nos Estados Unidos e liberado como parte de um acordo pela troca de 36 presos na Venezuela, dos quais 12 eram norte-americanos.

A maior prova de que Nicolás Maduro quer ter presos como moeda de troca foi a revelação do chanceler da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, na terça-feira (17).

O chanceler disse que, depois de tentar uma mediação por um salvo-conduto para os seis venezuelanos na Embaixada da Argentina em Caracas, o regime de Nicolás Maduro colocou como condição a liberação de duas pessoas: uma delas está na Argentina e tem vínculos próximos com o regime venezuelano. O nome não foi revelado, mas seria a dirigente social argentina, Milagro Sala, condenada por corrupção.

A outra é o ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glas (2013-2017). Em 2017, Glas foi condenado a prisão por corrupção. Cinco anos depois, em 2022, conseguiu um habeas corpus. Refugiou-se na Embaixada do México em Quito e conseguiu asilo. Em abril passado, o governo do presidente equatoriano, Daniel Noboa, invadiu a Embaixada e capturou Jorge Glas. Agora, o regime venezuelano quer receber os antigos aliados.

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