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O guarda-costas de Fidel Castro

O fato de Fidel e Raúl Castro serem ditadores em Cuba não mudou com anúncio de Obama, diz colunista - Ismael Francisco/www.cubadebate.cu/AFP
O fato de Fidel e Raúl Castro serem ditadores em Cuba não mudou com anúncio de Obama, diz colunista Imagem: Ismael Francisco/www.cubadebate.cu/AFP

Jorge Ramos

Em Miami, EUA

27/12/2014 00h01

Depois de mais de meio século como inimigos, EUA e Cuba deixarão de sê-lo. Ou pelo menos tentarão.

O argumento do presidente Barack Obama é sólido: não podemos esperar resultados diferentes se continuarmos fazendo as mesmas coisas. E o que Obama e outros milhões querem é uma ilha democrática, com respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão. Mas hoje Cuba não é isso. Cuba é uma ditadura.

Os irmãos Raúl e Fidel Castro são os ditadores dessa ilha. Isso não mudou com o recente anúncio espetacular. Nem mudará. Bem sabe disso Juan Reinaldo Sánchez, que durante 17 anos foi guarda-costas de Fidel.

Sánchez protegeu o governante cubano de 1977 a 1994 e conta suas experiências no livro "A Vida Oculta de Fidel Castro". "Minha família era uma família revolucionária", ele me contou em uma entrevista recente. Desde a escola secundária o identificaram para fazer parte da escolta pessoal do governante cubano. "Era uma das melhores seguranças que existiam no mundo." Fidel nunca sofreu um atentado em carne própria, assegura. Nenhuma ameaça "chegou ao nosso anel [de segurança]".

Sua fidelidade era à toda prova. "Eu acreditava cegamente em Fidel; para mim Fidel era o maior, era um deus em um pedestal", explica. "Eu não só estava disposto a dar a vida por Fidel, como desejava dar a vida por Fidel [no caso de um atentado]."

Exatamente por essa proximidade que tinha com o líder cubano, Sánchez viu como Fidel enriqueceu. "Ele criou uma série de empresas que não são supervisionadas", disse.

"Onde está o dinheiro de Fidel?", perguntei Cuba. "Ele tem uma parte do dinheiro em Cuba", explica Sánchez, dizendo que se encontra no Banco Nacional de Cuba. "Chamava-se 'reserva do comandante-em-chefe', onde não só havia dinheiro como também bens, carros, caminhões." E tinha também "contas cifradas fora de Cuba".

Além disso, Fidel tinha muitas propriedades em Cuba, incluindo Cayo Piedra. "Fidel o descobriu em 1961", conta Sánchez. "Havia uma casa de hóspedes com piscina, um aquário de golfinhos, um criadouro de tartarugas... com exclusão de navegação de 3 milhas ao redor, somente para que Fidel pesque."

Parte da fortuna de Fidel vem do narcotráfico, explica Sánchez. Ele escutou em 1989 - graças aos microfones ocultos no escritório de Fidel - uma conversa particular em que o então ministro do Interior, José Abrantes, "prestava contas a Fidel sobre a droga. Nesse momento tudo desmoronou, tudo caiu para mim, derrubou o ídolo que eu tinha. Eu passava mais tempo com Fidel do que com minha família".

Prisão

As coisas começaram a se complicar para Sánchez quando seu irmão partiu em uma balsa para os EUA e sua filha conseguiu visto para ir à Venezuela. Ele pediu aposentadoria da escolta de Fidel --já tinha idade para se aposentar--, mas a resposta foi fulminante e Sánchez acabou na prisão em 1994. Fidel tinha perdido a confiança em seu guarda-costas.

Depois de passar dois anos preso, Sánchez fez 11 tentativas de escapar da ilha, até que finalmente em 2008 conseguiu chegar aos EUA.

Por que demorou tanto para contar sua história? "Em Cuba eu não podia falar disso", diz. "E demorei muito para compilar todo esse material que tinha trazido para os EUA por diversas vias."

Sánchez como guarda-costas de Fidel e eu como jornalista estivemos na primeira Cúpula Ibero-Americana em Guadalajara, México, em 1991. Lembro que em um hotel me aproximei do ditador cubano e lhe perguntei sobre a falta de democracia em Cuba. Antes que passasse um minuto senti um golpe no torso e acabei jogado no chão, enquanto Fidel e sua escolta caminhavam sem se virar.

Sánchez também se lembra desse momento: "Se alguém chegar muito perto [de Fidel] e houver câmeras, é preciso ter muito cuidado. Fidel era muito meticuloso com sua aparência, com as câmeras, em público. Então era preciso ter um pouco de tato. Por isso lhe deram esse golpe, mas o deram às escondidas".

Sánchez aprendeu a atacar às escondidas. Agora, com seu livro, volta a fazê-lo muito publicamente. Ninguém conhece melhor um ditador do que aquele que durante anos escondeu seus segredos. E ele sabe disso: os ditadores não mudam, nem entregam o poder voluntariamente.