Topo

Apocalipse da dívida americana é cancelado, mas crise de confiança continua

Paul Krugman

23/07/2014 00h01

Por grande parte dos últimos cinco anos, os leitores de notícias políticas e econômicas foram deixados com pouca dúvida de que o déficit orçamentário e o aumento da dívida eram as questões mais importantes enfrentadas pelos Estados Unidos. Pessoas sérias alertavam constantemente que os Estados Unidos corriam o risco de se transformar em outra Grécia a qualquer momento. O presidente Barack Obama nomeou uma comissão especial, bipartidária, para propor soluções para a suposta crise fiscal, e passou grande parte de seu primeiro mandato tentando negociar uma Grande Barganha orçamentária com os republicanos.

Essa barganha nunca aconteceu, porque os republicanos se recusavam a considerar qualquer acordo que aumentasse os impostos. Todavia, a dívida e os déficits desapareceram do noticiário. E há um bom motivo para esse desaparecimento: a coisa toda foi na verdade um falso alarme.

Eu não sei ao certo se a maioria dos leitores percebe o tamanho do fiasco do grande pânico fiscal --e aqueles que reclamam do déficit ainda estão reclamando, é claro. Eles até mesmo estão tentando distorcer as mais recentes projeções de longo prazo do Escritório de Orçamento do Congresso --que são distintamente não alarmantes-- como de alguma forma confirmando suas táticas anteriores de fomentação do medo. Assim, este parece ser um bom momento para oferecer uma atualização sobre o desastre da dívida que não ocorreu.

Sobre aquelas projeções: o Escritório de Orçamento do Congresso prevê que o déficit federal deste ano será de apenas 2,8% do PIB, uma queda em comparação a 9,8% em 2009. É verdade que o fato de ainda incorrermos em déficit significa que a dívida federal, em termos de dólares, continua crescendo --mas a economia também está crescendo, de modo que o escritório de orçamento espera que a razão crucial dívida/PIB permaneça mais ou menos estável ao longo da próxima década.

As coisas deverão deteriorar depois disso, principalmente pelo impacto do envelhecimento da população sobre o Medicare (o seguro-saúde público para idosos e inválidos) e o Seguro Social. Mas está ocorrendo uma desaceleração dramática no crescimento dos custos do atendimento de saúde, que costumavam ter um grande papel nos cenários orçamentários assustadores.

Consequentemente, apesar do envelhecimento, a dívida em 2039 --daqui um quarto de século-- não deverá ser maior, como percentual do PIB, do que era a dívida dos Estados Unidos ao final da Segunda Guerra Mundial, ou da dívida do Reino Unido ao longo de grande parte do século 20. Ah, e o escritório de orçamento agora espera que as taxas de juros permaneçam razoavelmente baixas, não muito maiores do que a taxa de crescimento da economia. Isso por sua vez enfraquece, na verdade quase elimina, o risco de uma espiral da dívida, na qual o custo do serviço da dívida a torna ainda mais alta.

Mesmo assim, o aumento da dívida não é bom. Logo, o que seria necessário para evitar qualquer aumento na razão da dívida? Surpreendentemente pouco. O escritório de orçamento estima que a estabilização da razão dívida/PIB no nível atual exigiria cortes de gastos ou aumento de impostos de 1,2% do PIB se começássemos agora, ou 1,5% do PIB se aguardássemos até 2020. Politicamente, isso seria difícil dada a oposição total republicana a qualquer coisa que um presidente democrata possa propor, mas em termos econômicos, não seria grande coisa, e não exigiria qualquer mudança fundamental em nossos principais programas sociais.

Resumindo, o apocalipse da dívida foi cancelado.

Espere --e quanto ao risco de uma crise de confiança? Foram muitos os alertas de que essa crise era iminente, alguns deles somados com confissões surpreendentemente francas de decepção por ainda não ter acontecido. Por exemplo, Alan Greenspan alertou sobre a "analogia com a Grécia", e declarou que era "lamentável" que as taxas de juros e a inflação ainda não tivessem crescido.

Mas isso foi há mais de quatro anos, e tanto a inflação quanto as taxas de juros permanecem baixas. Talvez os Estados Unidos, que entre outras coisas tomam empréstimos em sua própria moeda e, portanto, não ficam sem reservas, não sejam nada como a Grécia.

Na verdade, mesmo dentro da Europa, a gravidade da crise da dívida diminuiu rapidamente assim que o Banco Central Europeu começou a fazer seu trabalho, deixando claro que faria o que fosse preciso para evitar crises de reservas nos países que abriram mão de suas próprias moedas e adotaram o euro. Você sabia que a Itália, que permanece profundamente endividada e sofre um fardo muito maior de envelhecimento da população do que os Estados Unidos, consegue agora tomar empréstimos a longo prazo a uma taxa de juros de apenas 2,78%? Você sabia que a França, que é alvo de relatórios constantemente negativos, paga apenas 1,57%?

Logo, nós não temos uma crise da dívida e nunca teremos. Por que todo mundo importante parece pensar o contrário?

Para ser justo, há algumas boas notícias a respeito da perspectiva fiscal a longo prazo, principalmente no atendimento de saúde. Mas é difícil escapar da sensação de que o pânico da dívida foi promovido por servir a um propósito político --de que muitas pessoas estavam pressionando a noção de uma crise da dívida como forma de atacar o Seguro Social e o Medicare. E causaram danos imensos ao longo do caminho, desviando a atenção do país de seus problemas reais --o desemprego debilitante, a deterioração da infraestrutura e mais-- por anos a fio.