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O milagre do Medicare

Os gastos com a saúde nos EUA diminuíram drasticamente e já estão bem abaixo das projeções feitas há alguns anos atrás - SXC
Os gastos com a saúde nos EUA diminuíram drasticamente e já estão bem abaixo das projeções feitas há alguns anos atrás Imagem: SXC

Paul Krugman

02/09/2014 00h05

Então, o que você acha dos números do Medicare? O quê, você ainda não ouviu falar deles? Bem, eles não têm sido notícia de primeira página. Mas algo notável vem acontecendo no front dos gastos com a saúde e deveria (mas provavelmente não vai) transformar muito nosso debate político.

A história até agora: todos nós ouvimos falar das projeções de déficits federais gigantescos ao longo das próximas décadas, e há toda uma indústria dedicada a emitir advertências sobre o orçamento e a exigir cortes no Social Security, Medicare e Medicaid. Os especialistas sabem há muito, no entanto, que não existe tal programa, e que o promove essas projeções assustadoras são os gastos com a saúde, e não com a aposentadoria. Por quê? Porque, historicamente, os gastos com a saúde têm crescido muito mais rapidamente do que o PIB, e assumiu-se que esta tendência iria continuar.

Mas uma coisa engraçada aconteceu: os gastos com a saúde diminuíram drasticamente e já estão bem abaixo das projeções feitas há alguns anos atrás. A queda foi particularmente acentuada no Medicare, que está gastando US $ 1.000 a menos por beneficiário do que o Departamento de Orçamento do Congresso projetou há apenas quatro anos.

Isso é muito importante, pelo menos de três maneiras.

Em primeiro lugar, a nossa suposta crise fiscal foi adiada, talvez indefinidamente. O governo federal ainda está incorrendo em déficits, mas estão bem menores. É verdade, o déficit ainda deve voltar a crescer novamente dentro de alguns anos, porque mais baby boomers vão se aposentar e começar a recolher os benefícios; mas, atualmente, as projeções de dívida federal como porcentagem do PIB mostram uma subida lenta e não um salto. Provavelmente, vamos ter que gerar mais receitas, eventualmente, mas a lacuna fiscal de longo prazo hoje parece muito mais manejável do que os críticos do déficit querem transmitir.

Em segundo lugar, a desaceleração do Medicare ajuda a refutar uma explicação que vem sendo dada para a queda no custo de saúde: que resulta principalmente da economia deprimida, e que os gastos voltarão a subir quando a economia se recuperar. Isso poderia explicar um baixo gasto privado, mas o Medicare é um programa de governo e não deve ser afetado pela recessão. Em outras palavras, a boa notícia de redução nos custos com a saúde é real.

Mas qual é a causa dessa boa notícia? A terceira grande implicação do milagre no custo do Medicare é que tudo o que os suspeitos de sempre vêm dizendo sobre a responsabilidade fiscal está errado.

Durante anos, os especialistas acusaram o presidente Barack Obama de não cortar os direitos adquiridos. Essas acusações sempre envolvem um pensamento político mágico, que assume que Obama pudesse de alguma forma fazer com que os republicanos negociassem de boa fé, bastasse ele ter essa vontade. Mas eles também implicitamente descartaram como inútil todas as medidas de controle de custos incluídas na Lei da Saúde Acessível. Para os lobistas, o controle de custos, aparentemente, não é considerado verdadeiro a menos que envolva cortar benefícios. Um especialista chegou ao ponto de dizer que “Os EUA foram enganados”, depois que o governo Obama rejeitou as propostas para aumentar a idade em que a pessoa poderia ingressar no Medicare.

Acontece, porém, que o aumento da idade de ingresso no Medicare dificilmente pouparia algum dinheiro. Enquanto isso, o Medicare está gastando muito menos do que esperado, e as medidas de redução de custos do Obamacare são pelo menos em parte responsáveis. A opinião comum estava totalmente enganada sobre aquilo que era considerado sério e o que não era.

Enquanto estamos nesse tema, há duas outras histórias que você deve conhecer.

Uma delas envolve as supostas economias que seriam obtidas passando a administração do Medicare para as empresas de seguros com fins lucrativos. É assim que funciona o benefício de medicamentos, e os conservadores gostam de salientar que este benefício acabou custando muito menos do que o previsto, o que para eles prova que a privatização é o caminho a ser seguido. Mas o Departamento do Orçamento divulgou um novo relatório sobre esta questão e concluiu que a privatização não tem nada a ver com isso. Em vez disso, a Seção D do Medicare está custando menos do que o esperado em parte porque a inscrição foi baixa e em parte por causa da ausência de novos medicamentos de grande sucesso, o que levou a uma redução global de despesas com produtos farmacêuticos.

A outra envolve o “choque de preço” que os opositores da reforma de saúde vêm prevendo há anos. Boletim: ele ainda não aconteceu. Em geral, os prêmios dos seguros de saúde devem subir modestamente no próximo ano e devem se manter iguais ou até mesmo cair em vários Estados, incluindo Connecticut e Arkansas.

Qual é a moral da história? Durante anos, especialistas e políticos insistiram que garantir atendimento médico era um sonho impossível, mesmo que todos os outros países avançados o façam. Supostamente, não dava para dar cobertura para as pessoas sem seguro; o Medicare era insustentável. Mas o que se verificou foi que passos incrementais para melhorar os incentivos e reduzir os custos podem dar bons resultados, e que cobrir os não assegurados não é nada difícil.

Quando se trata de garantir que os americanos tenham acesso aos cuidados de saúde, a mensagem dos dados é simples: sim, nós podemos.