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Partido Republicano é literalmente o partido da pizza

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Imagem: Divulgação

Paul Krugman

07/03/2015 00h03

Se você quiser saber o que um partido político realmente defende, siga o dinheiro. Os comentaristas e o público com frequência são enganados. Lembra de quando George W. Bush era um moderado, e Chris Christie um sujeito razoável capaz de estender a mão aos democratas? Os grandes doadores, entretanto, em geral têm uma boa ideia do que estão comprando, de modo que rastrear seus gastos diz muita coisa.

E o que dizem as contribuições do último ciclo eleitoral? Os democratas são, sem causar surpresa, o partido dos sindicatos trabalhistas (ou do que restou deles) e dos grandes escritórios de advocacia: sindicatos e advogados sãos os grandes grupos de interesse mais pró-democratas. Os republicanos são o partido do setor de energia e produção de alimentos: eles dominam as contribuições das indústrias extrativistas e do agronegócio. E são, em particular, o partido da pizza.

Não, é sério. Uma recente reportagem da "Bloomberg" apontou que as grandes empresas de pizza se tornaram intensa e agressivamente partidárias. A Pizza Hut destina notáveis 99% de seu dinheiro para os republicanos. Outros setores servem aos democratas uma fatia maior (desculpe, mas não resisti), mas, em geral, a política da pizza atualmente lembra, digamos, a do carvão e tabaco. E o partidarismo da pizza diz muito sobre o que está acontecendo na política americana como um todo.

Por que a pizza, dentre todas as coisas, deveria ser um assunto divisor? A resposta imediata é que ela se viu pega no meio da guerra nutricional. O corpo político americano se tornou muito mais pesado ao longo do último meio século, e, apesar de haver disputa sobre as causas, uma dieta não saudável –fast food em particular– é certamente uma das principais suspeitas. Como notou a "Bloomberg", algumas partes da indústria alimentícia responderam à pressão das agências de governo e de ativistas tentando oferecer opções mais saudáveis, mas o setor de pizza optou por defender o direito de acrescentar queijo extra.

A retórica dessa luta é familiar. O lobby da pizza retrata a si mesmo como defensor da escolha pessoal e da responsabilidade pessoal. Segundo o argumento, cabe ao consumidor decidir o que ele ou ela quer comer, e não precisamos de um Estado babá nos dizendo o que fazer. 

É um argumento que muitas pessoas consideram persuasivo, mas não resiste muito bem quando você olha o que de fato está em jogo na disputa da pizza. Ninguém está propondo uma proibição da pizza ou, de fato, qualquer limitação ao que adultos informados devem ser autorizados a comer. Em vez disso, as disputas envolvem coisas como exigências nas embalagens –dando aos consumidores informação para fazerem escolhas informadas– e o conteúdo nutricional dos almoços nas escolas, isto é, decisões alimentares que não são tomadas por adultos responsáveis, mas sim em prol das crianças.

Além disso, qualquer pessoa que já teve problemas com peso –o que significa, certamente, a maioria dos adultos americanos– sabe que trata-se de um domínio onde a retórica fácil da "liberdade de escolha" soa oca. Mesmo se você souber muito bem que logo se arrependerá daquela fatia extra, é extremamente difícil agir com base nesse conhecimento. A nutrição, onde um grande número de opções por ser ruim, porque com frequência leva a escolhas ruins apesar da melhor das intenções, é uma dessas áreas –como o fumo– onde há muito a favor de um Estado babá. 

Ah, e dieta também não é uma opção puramente pessoal; a obesidade impõe grandes custos à economia como um todo. 

Mas não se deve esperar que esses argumentos ganhem muita tração. Por um lado, os fundamentalistas do livre mercado não querem ouvir sobre as qualificações de sua doutrina. Além disso, com grandes empresas envolvidas, o princípio de Upton Sinclair se aplica: é difícil fazer um homem entender algo quando seu salário depende de não entender. E além de tudo isso, a verdade é que o partidarismo nutricional envolve questões culturais mais profundas. 

Em um nível, há uma clara correlação entre estilos de vida e orientação partidária: os Estados mais pesados votam nos republicanos e a inclinação republicana é especialmente pronunciada no que os Centros para Controle e Prevenção de Doenças chamam de "cinturão da diabete" de condados, especialmente no Sul, que mais sofrem com esse problema de saúde em particular. Não por acaso, as autoridades daquela região lideraram a reação contra os esforços para tornar os almoços mais saudáveis nas escolas. 

E em um nível mais profundo, os especialistas em saúde podem dizer que precisamos mudar nossos hábitos alimentares, apontando para evidência científica, mas a base republicana não gosta de especialistas, ciência ou evidência. Os debates sobre política de nutrição provocam o tipo de raiva venenosa –grande parte dela agora direcionada a Michelle Obama, que tem defendido mudanças nas refeições nas escolas– que é familiar para aqueles que acompanham o debate a respeito da mudança climática. 

O partidarismo da pizza pode soar como uma piada, mas não é. Ele é um caso de estudo da mistura tóxica de grande dinheiro, ideologia cega e preconceitos populares que está tornando os Estados Unidos cada vez menos governáveis.

Tradutor: George El Khouri Andolfato