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Invadir o Iraque não foi apenas um erro. Foi também um crime

Paul Krugman

18/05/2015 13h05

Que surpresa! No final das contas, há alguma vantagem em ter o irmão de um presidente fracassado concorrendo à Casa Branca. Graças a Jeb Bush, podemos finalmente ter a discussão franca sobre a invasão do Iraque que deveríamos ter tido uma década atrás.

Muitas pessoas influentes -e não apenas Bush-, entretanto, preferem que não tenhamos essa discussão. No momento, há uma sensação palpável de que a elite política e da mídia está tentando limitar o assunto. A narrativa é assim: sim, agora sabemos que a invasão do Iraque foi um erro terrível e já hora de todo mundo admitir. Agora, vamos seguir em frente.

Bem, não vamos -porque essa é uma falsa narrativa, e todo mundo envolvido no debate sobre a guerra sabe que é falsa. A guerra do Iraque não foi um erro inocente, um empreendimento realizado com base em dados de inteligência que se provaram errados. Os EUA invadiram o Iraque porque o governo Bush queria uma guerra. As justificativas públicas para a invasão não passavam de pretextos, falsos pretextos. Fundamentalmente, mentiram para nós para que entrássemos em guerra.

Mesmo na época, já era óbvia a fraudulência dos pretextos para entrarmos em guerra de fato: os argumentos que mudavam o tempo todo para o mesmo objetivo denunciavam o caso, assim como os jogos de palavras –as denúncias de armas de destruição em massa que se transformaram em um discurso sobre armas químicas com armas nucleares (muitas pessoas acreditaram que Saddam tinha esse tipo de arma), as insinuações constantes de que o Iraque estava, de alguma forma, por trás dos ataques de 11 de Setembro.  

E, nesta altura, nós temos uma abundância de evidências para confirmar tudo aquilo que os opositores à guerra estavam dizendo. Sabemos agora, por exemplo, que no próprio dia 11 de Setembro -literalmente antes da poeira baixar- Donald Rumsfeld, secretário da Defesa, já estava tramando a guerra contra um regime que não tinha nada a ver com o ataque terrorista. “Avaliar se já é bom o suficiente [para] atingir S.H. (Saddam Hussein)... juntar tudo, coisas relacionadas ou não”; assim diziam as notas tomadas pelo assessor de Rumsfeld. 

Em suma, esta era uma guerra que a Casa Branca queria, e todos os supostos erros que, como Jeb coloca, “foram cometidos” por alguém sem nome, na verdade, nasceram deste desejo subjacente. As agências de inteligência erroneamente concluíram que o Iraque tinha armas químicas e um programa nuclear? Isso porque estavam sob intensa pressão para justificar a guerra. As análises anteriores à guerra subestimaram grandemente a dificuldade e o custo da ocupação? Isso porque o partido da guerra não queria ouvir qualquer coisa que pudesse levantar dúvidas sobre a decisão de invadir. De fato, o comandante do Exército foi efetivamente demitido por questionar as alegações de que a fase de ocupação seria barata e fácil. 

Por que eles queriam uma guerra? Essa pergunta é mais difícil de responder. Alguns dos belicistas acreditavam que uma operação de choque e pavor no Iraque aumentaria o poder americano e sua influência em todo o mundo. Alguns viam o Iraque como uma espécie de projeto piloto, uma preparação para uma série de mudanças de regime. E é difícil evitar a suspeita de que havia um forte elemento de propaganda, de uso do triunfo militar para fortalecer o Partido Republicano em casa.

Quaisquer que tenham sido os motivos precisos, o resultado foi um capítulo muito sombrio na história americana. Mais uma vez: mentiram para que entrássemos em guerra. 

Agora você pode entender por que muitas figuras políticas e da mídia preferem não falar sobre nada disso. Algumas delas, suponho, podem ter sido enganadas: elas podem ter acreditado nas mentiras óbvias, o que nos faz questionar sua capacidade de discernimento. Suspeito, porém, que foram cúmplices: perceberam os falsos pretextos para a guerra, mas tinham suas próprias razões para querer que entrássemos em guerra, ou talvez tenham se permitido ser intimidadas em aceitar. Porque definitivamente havia um clima de medo entre políticos e especialistas em 2002 e 2003, quando o fato de criticar o impulso para a guerra parecia assassinar carreiras. 

Além desses motivos pessoais, nossos meios de comunicação, em geral, têm dificuldade para lidar com a desonestidade política. Os repórteres relutam em questionar os políticos em suas mentiras, mesmo quando estas envolvem questões mundanas como números do orçamento, por medo de parecerem partidários. Na verdade, quanto maior a mentira, quanto mais claro está que as principais figuras políticas estão envolvidas em uma fraude absoluta, mais hesitantes são as reportagens. E é difícil ser maior -na verdade, criminal- que mentir aos americanos para que entrem em guerra. 

Mas a verdade importa, e não apenas porque aqueles que se recusam a aprender com a história estão condenados a repeti-la. A campanha de mentiras que nos levou ao Iraque foi recente o suficiente para que ainda seja importante responsabilizar os culpados. Pouco importam os tropeços verbais de Jeb Bush. Pense, em vez disso, em sua equipe de política externa, liderada por pessoas que estavam diretamente envolvidas em inventar um caso falso para entrarmos em guerra. 

Então, vamos procurar entender corretamente a história do Iraque. Sim, do ponto de vista nacional a invasão foi um erro. Mas (com desculpas a Talleyrand) foi mais do que um erro, foi um crime.

Tradutora: Deborah Weinberg