Topo

Dogma da preguiça está em todos os lugares da direita norte-americana

Paul Krugman

13/07/2015 12h54

Os norte-americanos trabalham mais horas do que seus pares em praticamente todos os outros países ricos; nós somos conhecidos, entre os que estudam essas coisas, como a “nação sem férias”. De acordo com um estudo de 2009, os trabalhadores de tempo integral dos Estados Unidos fazem quase 30% mais horas ao longo de um ano do que os seus colegas alemães, em grande parte porque têm apenas metade do período de férias pagas. Não é de surpreender que equilibrar a vida profissional e a vida pessoal é um grande problema para muitas pessoas.

Mas Jeb Bush, que ainda está tentando justificar sua afirmação ridícula de que pode dobrar nossa taxa de crescimento econômico, diz que os norte-americanos “precisam trabalhar mais horas e, através de sua produtividade, ganhar mais renda para suas famílias”.

Os assessores de Bush tentaram explicar sua observação, alegando que ele só estava se referindo aos trabalhadores que estão procurando emprego de tempo integral e que permanecem em vagas de tempo parcial. No entanto, pelo contexto, fica evidente que não era isso o que ele estava falando. A verdadeira fonte de sua observação era o dogma que vem dominando os círculos conservadores nos últimos anos dos “tomadores da nação” --a insistência de que muitos norte-americanos, brancos e negros, estão optando por não trabalhar porque podem viver de folga graças aos programas do governo.

Você vê este dogma da preguiça em todos os lugares na direita. Era o substrato oculto da observação infame dos 47% de Mitt Romney. Estava subjacente aos ataques furiosos contra o seguro-desemprego em um momento de desemprego em massa e de cupons de alimentos, quando forneceram uma ajuda vital para dezenas de milhões de norte-americanos. É esse dogma que orienta as alegações de que muitos, se não a maioria dos trabalhadores que recebem pensão por incapacidade são mentirosos. “Mais da metade das pessoas estão incapacitadas por ansiedade ou por dor nas costas”, diz o senador Rand Paul.

Tudo isso somado dá uma visão de mundo em que o maior problema que enfrentam os EUA é que nós somos bonzinhos demais para com os nossos concidadãos que enfrentam dificuldades. E o apelo dessa visão para os conservadores é óbvio: fornece a eles uma razão para justificar o que querem fazer de qualquer maneira, ou seja, reduzir a ajuda aos menos afortunados enquanto cortam os impostos sobre os ricos.

A direita acha essa imagem da preguiça tão atraente que não esperamos que qualquer evidência em contrário faça muito efeito em combatê-la. Os gastos federais com “segurança de renda” --vale-refeição, subsídios de desemprego e praticamente tudo o que você poderia chamar de “bem-estar”, exceto o Medicaid-- não apresentaram tendência de alta em relação ao PIB. Eles aumentaram durante a Grande Recessão, mas rapidamente recuaram para seus níveis históricos. Os números de Paul estão todos errados, e as pensões por incapacidade não cresceram mais do que o esperado, dado o envelhecimento da população. Mas não importa, a história que eles nutrem é a de uma epidemia de preguiça, e eles se aterão à ela.

Onde é que Jeb Bush se encaixa nesta história? Bem antes de sua gafe de “mais horas”, ele havia se professado como grande admirador da obra de Charles Murray, um analista social conservador, famoso por seu livro de 1994 “The Bell Curve”, que afirmava que os negros são geneticamente inferiores aos brancos. Aquele que Bush parece admirar mais, no entanto, é um livro mais recente, “Coming Apart”, que constata que, ao longo das últimas décadas, as famílias brancas da classe trabalhadora vêm mudando da mesma maneira que as famílias afro-americanas mudaram na década de 1950 e 1960, com taxas declinantes de casamento e de participação da força de trabalho.

Para alguns de nós, essas mudanças são consequências de uma economia que não oferece mais bons empregos para os trabalhadores comuns. Isso aconteceu com os afro-americanos em primeiro lugar, quando os empregos de colarinho azul desapareceram das cidades, mas agora se tornou um fenômeno muito mais amplo, graças à crescente desigualdade de renda. Murray, no entanto, vê as mudanças como consequência de um misterioso declínio nos valores tradicionais, movido por programas do governo que fazem com que os homens não “precisem mais trabalhar para sobreviver”. E Bush, presumivelmente, compartilha dessa opinião.

O ponto é que o chamado desajeitado de Bush por mais horas de trabalho não foi um mero tropeço verbal. Em vez disso, foi uma indicação de que ele está firmemente no lado da direita na grande divisão sobre o que as famílias trabalhadoras norte-americanas precisam.

Há agora um consenso efetivo entre os democratas, em exibição no discurso programado de Hillary Clinton na segunda-feira (13) sobre a economia, que os trabalhadores precisam de mais ajuda, sob a forma de seguro de saúde garantido, salário mínimo mais elevado, maior poder de barganha e muito mais. Os republicanos, no entanto, acreditam que os trabalhadores norte-americanos simplesmente não estão se esforçando o suficiente para melhorar sua situação e que a maneira de mudar isso é despir sua rede de segurança enquanto se cortam os impostos sobre os ricos “criadores de emprego”.

Apesar de Jeb Bush às vezes soar como moderado, ele está em linha com o consenso do partido. Se ele chegar à Casa Branca, o dogma da preguiça vai governar as políticas públicas.

Tradução: Deborah Weinberg