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Quais são os lugares dos outros dólares, além do americano, na economia mundial?

Paul Krugman

Em Sydney (Austrália)

05/09/2015 00h01

Assim que cheguei, parei em um caixa eletrônico; eu precisava de alguns dólares e só tinha dólares.

Tudo bem, a piada é fraca. Eu precisava de dólares australianos -aussies- e não de verdinhas americanas. Na verdade, existem quatro países de língua inglesa com dólares próprios; os outros são o loonie canadense e o kiwi da Nova Zelândia. E você pode aprender muito sobre a economia global e derrubar alguns mitos monetários populares pela comparação dessas moedas e de como servem às suas economias.

No longo prazo, as quatro nações do dólar são economias de grande sucesso. É verdade que os Estados Unidos ainda estão se recuperando de sua pior recessão desde a Grande Depressão; o Canadá está sendo duramente atingido pela queda dos preços do petróleo, e a Austrália está nervosa com a oscilação de seus mercados na China. Mas são todas nações ricas que vêm resistindo às tempestades econômicas melhor do que a maior parte do resto do mundo.

Apesar das nações do dólar terem se saído bem, elas ocupam lugares muito diferentes na economia mundial. Em parte, literalmente: a Austrália e a Nova Zelândia estão muito longe de tudo, enquanto o Canadá, cuja maioria da população mora perto de sua fronteira sul, fica efetivamente mais próximo dos Estados Unidos do que de si mesmo. E os EUA, naturalmente, são um gigante econômico em torno do qual giram as economias menores.

Essas diferenças de posição geográfica são acompanhadas de grandes diferenças na natureza e no papel de seu comércio internacional. A Austrália é basicamente uma exportadora de matérias-primas e produtos agrícolas; o Canadá vende muito destes bens, mas também é um grande exportador de produtos manufaturados para o seu vizinho gigante.

Então o que podemos aprender com essas histórias de sucesso do dólar? Quais mitos podemos derrubar?

Em primeiro lugar, aprendemos que mesmo países relativamente pequenos intimamente ligados a vizinhos grandes podem manter sua independência monetária.

Na Europa, muitas vezes você ouve a alegação de que a opção de ficar fora do euro, seja pela manutenção ou pela restauração da moeda nacional, seria desastrosa. Uma dúzia de anos atrás, quando os eleitores suecos rejeitaram o euro, enfrentaram a esmagadora insistência da elite de que isso seria um erro terrível. Mas a elite estava errada, o que deveria ter ficado óbvio pelo exemplo do Canadá, que tem se saído muito bem e mantido sua autonomia monetária, apesar de seus laços estreitos com a superpotência ao lado.

Em segundo lugar, aprendemos que aquilo que os direitistas chamam de "degradação" da moeda --um declínio no valor de uma moeda em relação a outras-- pode ser uma coisa muito boa. O Canadá foi capaz de combinar cortes de gastos com forte crescimento na década de 90 porque as exportações foram promovidas pela depreciação do loonie. A Austrália saiu quase ilesa da crise financeira asiática de 97-98 em grande parte graças à queda do aussie. Em ambos os casos, teria sido muito mais difícil se os países estivessem usando dólares norte-americanos ou, pior ainda, usando o padrão-ouro.

Em terceiro lugar, aprendemos que as pessoas dão uma importância exagerada ao papel que as moedas nacionais desempenham no sistema monetário internacional.

É verdade que o dólar é especial: é uma moeda de reserva que outros países acumulam; é a moeda usada em muitos contratos internacionais. E muitas vezes você ouve afirmações de que o uso generalizado de dólares norte-americanos fora da nossa jurisdição nacional tem grandes implicações, para melhor ou pior.

Às vezes, essas afirmativas envolvem a alegação de que o papel especial do dólar é uma importante fonte do poder americano; recentemente, tanto John Kerry quanto o presidente Barack Obama advertiram que a não-ratificação do acordo nuclear do Irã (que eu apoio fortemente) ameaçaria a preeminência do dólar. Às vezes, o papel especial do dólar é apresentado como um fardo: eu vi uma série de analistas argumentarem que a demanda global por dólares ajuda a manter o alto déficit comercial dos EUA.

Mas um olhar para a Austrália mostra que tanto as afirmações positivas quanto a negativas sobre o papel internacional do dólar são muito exageradas. O dólar australiano não desempenha qualquer papel especial no sistema monetário mundial, mas a Austrália tem consistentemente atraído fluxos maiores de capital em relação ao tamanho de sua economia --e administra déficits comerciais proporcionalmente maiores-- que os Estados Unidos.

O que é importante tanto para o capital quanto para o comércio, ao que parece, é se a sua economia oferece boas oportunidades de investimento sob um guarda-chuva de estabilidade jurídica e política. Se você controla ou não uma moeda internacional é uma preocupação trivial em comparação.

Assim, podemos aprender muito acompanhando os dólares --todos os dólares, e não apenas os que levam retratos de presidentes mortos. E o que aprendemos em particular, é que a economia monetária deve ser abordada de forma pragmática, não em termos de noções místicas de valor.

Basta aprender com aqueles que partilham a nossa língua, mas não a nossa moeda: há muitas maneiras de fazer o dinheiro trabalhar.

Tradutor: Deborah Weinberg