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Por que Putin não nos respeita?

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Imagem: AP

Thomas L. Friedman

06/03/2014 00h01

Assim como transformamos a cobertura da política em esportes, estamos fazendo o mesmo com a geopolítica. Muitos absurdos estão sendo escritos sobre como Vladimir Putin nos mostrou que é "mais duro" que Barack Obama e que agora Obama precisa demonstrar sua masculinidade. É assim que as grandes potências são arrastadas para a política das pequenas tribos e acabam em grandes guerras que acabam mal para todo mundo. Nós exageramos amplamente a força de Putin - assim como ele faz - e subestimamos amplamente nossa própria força e nossa capacidade de enfraquecê-lo por meios não militares.

Vamos começar por Putin. Qualquer um que realmente acredite, como disse Putin, que a ruptura da União Soviética foi "a maior catástrofe geopolítica" do século 20 está preso em uma perigosa fantasia que não pode acabar bem para ele ou para seu país. A União Soviética morreu porque o comunismo não podia oferecer melhores padrões de vida, e seu colapso na verdade liberou uma energia humana ilimitada por todo o Leste Europeu e a Rússia.

Um Putin sábio teria redesenhado a Rússia para que seu vasto talento humano pudesse aproveitar toda essa energia. Ele estaria lutando hoje para colocar a Rússia na UE, e não para manter a Ucrânia fora dela. Mas Putin não é assim, e nunca será. Ele é culpado pelo leve preconceito de baixas expectativas em relação a sua população e prefere transformar a Rússia em um petro-Estado dirigido pela máfia - do qual é mais fácil roubar.

Por isso Putin agora combate a natureza humana entre seus próprios jovens e seus vizinhos - ambos os quais querem mais UE e menos putinismo. Para colocar em termos de mercado, Putin é longo em petróleo e curto em história. Ele se tornou cada vez mais rico e à Rússia, cada vez mais dependente de recursos naturais, em vez de humanos. A história não será branda com ele - especialmente se os preços da energia despencarem.

Por isso me poupem da conversa de que Putin arrasou Obama. Isto não é luta greco-romana. O fato de que Putin ocupou a Crimeia, uma região da Ucrânia que fala russo e já fez parte da Rússia, onde muitos cidadãos preferem fazer parte da Rússia e onde a Rússia tem uma grande base naval, não é como tomar a Polônia. Eu apoio sanções econômicas e diplomáticas para punir a Rússia por sua violação das normas internacionais e deixar claro que haveria sanções mais duras, e até ajuda militar para Kiev, se Putin tentasse morder mais um pedaço da Ucrânia. Mas precisamos lembrar que aquele cantinho do mundo sempre vai significar mais, muito mais, para Putin do que para nós, e devemos evitar fazer ameaças de coisas que não vamos pôr em prática.

O que me perturba sobre a Crimeia é a tendência maior em que ela se encaixa - que o putinismo costumava ser apenas uma ameaça para a Rússia, mas agora está se tornando uma ameaça para a estabilidade global. Fui contra a expansão da Otan em direção a Rússia depois da Guerra Fria, quando a Rússia estava em seu momento mais democrático e menos ameaçador. Continua sendo uma das coisas mais tolas que já fizemos e, é claro, depositou as bases para a ascensão de Putin.

Durante muito tempo Putin explorou a humilhação e as atitudes antiocidentais que a expansão da Otan provocou para ganhar popularidade, mas isto parece ter-se tornado tão fundamental para sua política interna que o trancou em um relacionamento de soma zero com o Ocidente que torna difícil ver como colaborar com ele em lugares mais problemáticos, como a Síria ou Irã. O presidente Bashar Assad, da Síria, está envolvido em um comportamento de genocídio monstruoso que também ameaça a estabilidade do Oriente Médio. Mas Putin o defende. Pelo menos a metade da população da Ucrânia deseja fazer parte da Europa, mas ele tratou esse desejo compreensível como um complô da Otan e rapidamente recorreu à força.

Não quero fazer guerra com Putin, mas está na hora de expor sua verdadeira fraqueza e nossa verdadeira força. Isso, porém, exige uma estratégia de longo prazo - não apenas fulminá-lo em programas de televisão. Exige ir atrás dos pilares gêmeos de seu regime: petróleo e gás.

Assim como o excedente de petróleo nos anos 1980, em parte criado pelos sauditas, derrubou os preços globais do petróleo a um nível que ajudou a derrubar o comunismo soviético, poderíamos fazer o mesmo hoje com o putinismo, implementando as políticas de longo prazo corretas. Isto é, investir nas instalações para liquefazer e exportar nosso gás natural (desde que seja extraído pelos mais altos padrões ambientais) e tornar a Europa, que recebe 30% de seu gás da Rússia, mais dependente dos EUA. Eu também aumentaria nosso imposto sobre a gasolina, implementaria um imposto sobre o carbono e um padrão nacional de energia renovável - o que também ajudaria a baixar o preço do petróleo global (e nos fortaleceria, com ar mais limpo, menos dependência do petróleo e mais inovação).

Você quer assustar Putin? Basta anunciar essas medidas. Mas você conhece a história, os homens fortes em Washington que querem enfrentar Putin preferem pedir que 1% dos americanos - os militares e suas famílias - façam o sacrifício máximo do que pedir que todos nós façamos um pequeno sacrifício na forma de aumentos diminutos no preço da energia. Aqueles homens duros que batem no peito no Congresso mas correm para o morro se você lhes pedir para votar um aumento de US$ 0,10 no imposto da gasolina, que na verdade reforçaria nossa vantagem, nunca enfrentarão esse desafio. Faremos qualquer coisa para expor a fraqueza de Putin - qualquer coisa que não seja dura demais. E você se pergunta por que Putin nos despreza?