Topo

Por que o destino da Ucrânia é importante

Thomas L. Friedman

03/07/2014 00h06

Não dá para inventar uma história dessas. O jornal "The Guardian" noticiou no domingo (29) que os ucranianos financiaram por "crowdfunding" o primeiro "drone popular", para ajudar seu exército a conter a infiltração de rebeldes apoiados pelos russos nas províncias do leste da Ucrânia, que fazem fronteira com a Rússia.

"Na semana passada, o site de 'crowdfunding' da Ucrânia, 'Projeto Popular', disse ter recebido doações suficientes para financiar um drone (aeronave não tripulada)", noticiou "The Guardian". "Os organizadores esperavam originalmente comprar um drone avançado israelense – por US$ 165 mil – ou um americano mais barato, custando US$ 120 mil. No final, entretanto, eles conseguiram montar um drone por apenas US$ 35 mil. Um projetista e outros voluntários montaram a fuselagem, com um instituto militar ucraniano inserindo o equipamento técnico."

Bom para eles. O destino da Ucrânia importa – tanto quanto, se não mais, que o da Síria e do Iraque. Nós não precisamos procurar por "moderados" na Ucrânia. Milhões ali já lutaram e votaram por alinhar seu país com os mercados livres e povos livres da União Europeia.

Em Bruxelas, o recém-eleito presidente ucraniano, Petro Poroshenko, assinou um pacto comercial com a União Europeia que reduzirá as tarifas das exportações ucranianas para o mercado da UE em troca da implantação pela Ucrânia de reformas anticorrupção, de transparência e controle de qualidade, que visam colocar sua economia dentro dos padrões ocidentais.

É o mesmo acordo que o antecessor de Poroshenko, Viktor Yanukovych, se recusou a assinar em novembro passado, sob pressão do presidente da Rússia, Vladimir Putin. Isso provocou a revolução na principal praça de Kiev, que levou à queda de Yanukovych e à rebelião dos separatistas dirigidos por Putin no leste da Ucrânia. Esse foi o motivo para apenas horas após o acordo ter sido assinado, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Grigory Karasin, ter sido citado pela agência de notícias "Interfax" como alertando ominosamente que o acordo UE-Ucrânia teria "sérias consequências".

É mesmo? Pense a respeito. Um país ameaçando outro por assinar um pacto comercial na esperança de aumentar a renda de sua população, que está muito atrás das de seus vizinhos, como a Polônia, que se juntaram à União Europeia após o colapso da União Soviética. Eu entendo que os russos não queiram que a Ucrânia ingresse na Otan, uma aliança de defesa ainda voltada a conter o poder russo. Eu me opunha à expansão da Otan no final da Guerra Fria e não a apoiaria agora. Mas um acordo comercial que nem mesmo leva ao ingresso automático na UE? É assim que a Rússia mantém seu status de poder? Mantendo seus vizinhos pobres e carentes de energia?

Eu argumentei em maio que Putin "piscou" quando, após as sanções do Ocidente e a ameaça de mais, ele recuou as tropas da fronteira da Ucrânia, onde estavam reunidas – na esperança de, primeiro, bloquear a eleição de Poroshenko e, segundo, a assinatura do acordo com a UE. Mas talvez Putin tenha apenas mudado de estratégia. Apesar de não ter invadido, ele apenas despejou armas e substitutos no leste da Ucrânia, para fomentar o separatismo nas áreas de língua russa. Hoje, Poroshenko – cansado das mentiras tipo Goebbels de Putin – ordenou que suas forças retomem o controle do leste da Ucrânia e o direito de seu país de escolher seu futuro. Putin claramente teme mais sanções. É hora dos Estados Unidos e da UE impô-las.

Ao negar aos ucranianos o direito de escolher seu próprio caminho econômico e político, Putin mostra o quanto ele é idiota e esperto ao mesmo tempo. Ele é idiota por acreditar que, neste mundo conectado de cidadãos recém-empoderados, ele pode desfrutar da mesma "esfera de influência" que a Rússia tinha na Europa Central na época dos czares. Desculpe. Se um líder quer ter uma esfera de influência hoje – nesta era de "pessoas de influência"– ele precisa adquiri-la pela forma como se comporta ou tomá-la à força. Na Ucrânia, Putin é incapaz da primeira e – por ora – não ousa fazer a segunda. Os czares nunca tiveram que lidar com pessoas de influência que financiam por crowdfunding seus próprios drones.

Mas Putin também é esperto. Ou como colocou o analista russo Vladimir Frolov no "The Moscow Times": "O presidente Vladimir Putin pode fracassar em atingir sua meta de impedir o acordo de associação da Ucrânia com a UE, mas em casa ele já lucrou com sua estratégia política para a Ucrânia, ao redefinir a conversa nacional da Rússia. Sua principal realização foi eliminar qualquer debate significativo sobre futuros alternativos para a Rússia. Há menos de um ano, ainda havia espaço político para promoção de alternativas democráticas ao sistema de Putin".

Mas a tomada da Crimeia pela Rússia e sua guerra por procuração na Ucrânia, acrescentou Frolov, "transformaram a conversa nacional de um debate saudável sobre o desempenho presidencial de Putin em uma discussão tóxica sobre guerra e os inimigos da Rússia. A propaganda de Moscou pintou com sucesso o levante popular da Ucrânia contra o sequestro do Estado por uma camarilha corrupta como sendo 'um golpe fascista patrocinado pelos Estados Unidos'".

Portanto, se Putin "está combatendo nazistas na Ucrânia, então, por extensão, qualquer um que discorde dele pode ser um colaborador nazista e um inimigo da Rússia. Isso fecha o espaço político para todas as visões alternativas para a Rússia, exceto como um império revisionista hostil ao Ocidente".