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Crise de água em São Paulo mostra que o mundo está veloz

Thomas L. Friedman

07/11/2014 00h01

Acabamos de ter uma eleição absurda. Nunca tanto dinheiro foi gasto para pensar tão pouco sobre um futuro tão mutável. O que teríamos discutido se tivéssemos uma eleição séria? Que tal sobre o maior desafio que estamos enfrentando hoje: a resiliência de nossos trabalhadores, do meio ambiente e das instituições.

Por que este é o maior desafio? Porque o mundo está rápido. As três maiores forças do planeta --o mercado, a Mãe Natureza e a lei de Moore-- estão todas ganhando força ao mesmo tempo. O mercado, ou seja, a globalização, está amarrando as economias mais do que nunca, tornando os trabalhadores, os investidores e os mercados muito mais interdependentes e expostos às tendências globais, sem muros para protegê-los.

A Lei de Moore, a teoria que diz que a velocidade e a capacidade dos microchips vai dobrar a cada dois anos, está aumentando implacavelmente. Como postulam Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson em seu livro “A Second Machine Age” (em tradução livre, “Uma Segunda Era da Máquina”), o poder dos softwares, computadores e robôs está crescendo de tal forma que agora eles estão substituindo muitos empregos tradicionais de colarinho azul ou branco e gerando novos, que exigem mais competências.

E o rápido aumento do carbono em nossa atmosfera e a degradação ambiental e o desmatamento por causa do crescimento da população na Terra --a única casa que temos-- estão desestabilizando os ecossistemas da Mãe Natureza mais rapidamente.

Em suma, estamos no meio de três “mudanças climáticas” ao mesmo tempo: uma digital, uma ecológica e uma geoeconômica. É por isso que Estados fortes estão estressados, os fracos estão explodindo e os norte-americanos estão ansiosos porque ninguém tem uma solução rápida para aliviar sua ansiedade. E eles estão certos. A única solução envolve mudanças grandes e duras que só podem ser construídas em conjunto ao longo do tempo: infraestrutura resistente, saúde acessível, novos empreendimentos e oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para os novos postos de trabalho, políticas de imigração que atraiam talentos, ambientes sustentáveis, uma dívida administrável e instituições de governo adaptadas para a nova velocidade.

Você acha que isso é só teoria? Realmente? Veja um aspecto em um país: a Mãe Natureza no Brasil. No dia 24 de outubro, a Reuters informou o seguinte sobre São Paulo: “A maior e mais rica cidade da América do Sul pode ficar sem água até meados de novembro se não chover em breve. São Paulo, uma megacidade brasileira de 20 milhões de habitantes, está sofrendo sua pior seca em pelo menos 80 anos, com o esvaziamento dos importantes reservatórios que abastecem a cidade, depois de um ano excepcionalmente seco.”

Como é que é? São Paulo está ficando sem água? Sim.

José Maria Cardoso da Silva, consultor sênior para o Brasil da Conservation International, explica: a seca atingiu uma paisagem despida de 80% de sua floresta natural, ao longo das bacias hidrográficas da Serra da Cantareira, que alimentam seis reservatórios artificiais que sustentam São Paulo. A Cantareira abastece quase metade da água de São Paulo. As florestas e brejos foram substituídos por campos agrícolas, pastagens e plantações de eucalipto. Desta forma, hoje os dutos e reservatórios que recolhem a água ainda estão no local, mas a infraestrutura natural de florestas e bacias hidrográficas foi muito degradada. A seca expôs tudo.

“As florestas naturais agem como esponjas gigantes absorvendo chuva e liberando a água gradualmente para os córregos”, disse ele. “Elas também protegem os cursos de água e mantêm a qualidade da água através da redução de sedimentos e da filtração de poluentes. A perda de floresta na Cantareira aumentou a erosão, causou o declínio da qualidade da água e mudou os fluxos de água sazonais, reduzindo a capacidade de resistência de todo o sistema contra eventos climáticos extremos.”

O Sistema Cantareira caiu abaixo de 12% da sua capacidade.

Infelizmente, o desmatamento aumentou no governo da presidente recém-reeleita do Brasil, Dilma Rousseff, mas este tema tampouco foi uma questão importante na eleição do Brasil. No entanto, a Reuters citou Antonio Nobre, cientista climático do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, argumentando que “o aquecimento global e o desmatamento da Amazônia estão alterando o clima da região, reduzindo drasticamente a liberação de bilhões de litros de água por árvores da floresta. A umidade que vem da Amazônia, na forma de nuvens de vapor, que chamamos de ‘rios voadores’, caiu drasticamente, contribuindo para essa situação devastadora que estamos vivendo hoje”, disse Nobre.

Paul Gilding, ambientalista australiano e autor do livro “The Great Disruption” (O Grande Rompimento, em tradução livre), enviou um e-mail do Brasil para dizer que essa ausência de uma séria resposta brasileira “deixa claro que não vamos responder às grandes questões globais até que atinjam a economia. É difícil imaginar um exemplo mais forte do que uma cidade de 20 milhões de pessoas ficando sem água. Contudo, apesar da clara ameaça, a principal resposta é ‘esperamos que chova’. Por que tanta negação? Porque as implicações de aceitação são tão significativas, e nós sabemos em nossos corações que não há como voltar atrás quando você para de negar a situação. Seria exigir que o país enfrentasse a urgência de reverter o desmatamento, em vez de reduzir”, e “a necessidade de preparar o país para os riscos que uma mudança climática apresenta”.

Quando as mudanças do mercado, da Mãe Natureza e da Lei de Moore ficam todas tão velozes, as oportunidades e as tensões tornam-se abundantes. Um dia, nós vamos ter uma eleição sobre como amortecer, explorar e nos adaptar a elas --uma eleição para deixar os EUA e os norte-americanos mais resistentes. Um dia.