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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Que bancos preservem o meio ambiente que parte do Congresso quer destruir

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

30/05/2023 05h22Atualizada em 30/05/2023 17h27

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Enquanto o Congresso Nacional vai dando maus exemplos em penca no que respeita à questão ambiental, a boa notícia vem dos bancos. A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) criou um protocolo de autorregulação para financiamento da cadeia da carne bovina, informa o Estadão. O que isso significa? Só será concedido crédito para frigoríficos e matadouros que comprovarem que não compram gado oriundo de áreas de desmatamento ilegal da Amazônia e do Maranhão. Até agora, 21 bancos assinam o protocolo. Entre eles estão Bradesco, Itaú Unibanco, BTG Pactual, Santander, Caixa e Banco do Brasil.

Isaac Sidney, presidente da Febraban, informa que a norma de sustentabilidade será lançada nesta terça. É a primeira vez que há um protocolo detalhado para um setor específico da economia. E aqui acrescento: que venham outros. Se as grandes empresas não tomarem a iniciativa de conter o reacionarismo ambiental que tomou conta do Congresso, a vaca vai para o desmatado, e o país, para o brejo.

O Brasil é o maior exportador mundial de carne: vende no exterior 25% do que produz. Se, internamente, o consumidor não se pergunta de onde vem o bife — e, de fato, não há como saber —, há crivos no caso da venda para outros países. Adotado o protocolo, só terá financiamento dos 21 bancos o produtor que provar que é ambientalmente correto.

Informa o Estadão:
O desmatamento e a degradação dos solos representam aproximadamente 45% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, tornando a mudança no uso do solo a principal fonte de emissões do país. A maior parte deste desmatamento ocorre de forma ilegal -- mais de 95%, segundo dados do Mapbiomas, para o ano de 2021. E a Amazônia é o bioma que apresenta a maior área desmatada (cerca de 60% do total em 2021). Em 2022, 12,5 mil km² foram desmatados, segundo os dados de monitoramento da alteração da cobertura florestal da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe).

E se os bancos não cumprirem o protocolo? Podem responder a procedimentos administrativos, que vão de um plano de ajustamento de conduta até a exclusão do Sistema de Autorregulação Bancária.

Ocorre-me aqui que está dado um dos instrumentos para enfrentar a sandice ambiental, beirando a demência, que hoje toma conta de boa parcela do Congresso Nacional. Se os reacionários não podem ser convencidos pela ciência, que, então, os seus representados arquem com o custo das escolhas que seus lobistas fizeram.

Se chegamos a um ponto em que os bancos precisam forçar a adesão de "representantes do povo" ao pacto civilizatório, que assim, então, seja feito. E gosto particularmente da iniciativa porque se trata de autorregulação.

A iniciativa vem num momento em que o meio ambiente foi transformado num alvo dos agrotrogloditas e afins. A pasta comandada por Marina Silva está prestes a sofrer um esvaziamento. Um surto de estupidez na Câmara levou ao resgate de "jabutis" numa Medida Provisória que haviam sido eliminados no Senado e que podem provocar danos irreparáveis à já combalida Mata Atlântica.

"Como um setor estratégico, os bancos não poderiam ficar inertes e apenas acompanhar à distância um tema crucial para esta e as próximas gerações", afirma o presidente da Febraban.

Que assim seja. E que novos protocolos de autorregulação sejam instituídos. No dia em que empresas e produtores rurais souberem que ficarão sem crédito se insistirem na degradação, então é possível que coloquem um freio aos insanos que hoje falam em seu nome do Parlamento.

"Financiar atividades que possam estar relacionadas ao desmatamento gera risco reputacional, regulatório com o Banco Central, e operacional", afirma Amaury Oliva, diretor de Sustentabilidade da Febraban. E acrescenta: "Um dos grandes desafios do País é o desmatamento, a área mais sensível é o bioma da Amazônia. Por isso, o nosso foco".

Informa ainda a reportagem:
Oliva destaca que o sistema de rastreamento deverá ter informações como embargos, sobreposições com áreas protegidas, identificação de polígonos de desmatamento e autorizações de supressão de vegetação, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades de origem dos animais.
A verificação do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo também foi considerada. Haverá um monitoramento da eficácia da norma com indicadores de desempenho que serão divulgados periodicamente pelos frigoríficos.

DE NOVO A MATA ATLÂNTICA
O ministro André Mendonça, do STF, determinou nesta segunda que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o relator da MP na Câmara, Sergio Souza (MDB-PR), prestem informações ao tribunal sobre trechos da MP que haviam sido impugnados pelo Senado e que expõem a Mata Atlântica à devastação.

O Mandado de Segurança, com pedido de liminar, foi apresentado na última sexta pelos senadores Alessandro Vieira (PSDB-SE), Eliziane Gama (PSD-MA), Jorge Kajuru (PSB-GO) e Otto Alencar (PSD-BA). Eles alegam que Lira e Souza atropelaram as regras regimentais e constitucionais.

Há uma outra ação no STF, protocolada ainda antes da votação do Senado. O PV recorreu ao tribunal como uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra os "jabutis" acrescentados pela Câmara à MP enviada ainda por Bolsonaro e que tratava apenas da regularização de propriedade.

Mas quê! O tal Souza, que já comandou a bancada ruralista, enfiou no texto o "pacote desmatamento":

- flexibilizou o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração;
- acabou com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana;
- pôr fim à exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos lineares;
- acabou com a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos lineares.

É para fazer Ricardo Salles se sentir um ambientalista de mão cheia...

Os tais "jabutis" são escancaradamente inconstitucionais. Violam de maneira inconteste o Artigo 225 da Constituição:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Ninguém pode usar uma Medida Provisória para flexibilizar a Constituição.

VOLTO AO INÍCIO
Que o Supremo faça a coisa certa. E saúdo, mais uma vez, a decisão dos bancos no caso do protocolo da carne. Que estendam a decisão para outras atividades. Se o Congresso brasileiro não consegue cuidar do patrimônio coletivo, que se use o crédito como instrumento de preservação.

Segue a lista dos bancos que já assinaram o protocolo.
- Banco Bradesco S.A.
- Banco BTG Pactual S.A.
- Banco Citibank S.A.
- Banco Cooperativo Sicredi S.A.
- Banco Daycoval S.A.
- Banco do Brasil S.A.
- Banco do Estado do Pará S.A.
- Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A.
- Banco do Nordeste do Brasil S.A.
- Banco Fibra S. A.
- Banco Mercantil do Brasil S.A.
- Banco Original S.A.
- Banco PAN S.A.
- Banco Safra S.A.
- Banco Santander Brasil S.A.
- Banco Toyota do Brasil S.A.
- Banco Votorantim S.A.
- Caixa Econômica Federal
- China Construction Bank Banco Múltiplo S.A.
- Itaú Unibanco S.A.